Existem histórias e biografias que simplesmente precisam ser contadas paras as gerações atuais e futuras entenderem exatamente onde estão. Straight Outta Compton – A História do N.W.A., ainda que pareça ser sobre um assunto específico, é obrigatório para se entender tanto onde o Hip-hop mundial está hoje, quanto de onde saiu tanta raiva e atitude que moveu esses rappers no final dos anos 80.
Infelizmente para a maioria dos brasileiros, um assunto nichado demais e que vai prejudicar a carreira do filme por aqui, mas para os interessados o resultado é mesmo esse prato cheio de referências, situações, curiosidades e a verdade por trás de toda “treta” que moveu o grupo até seu fim.
Para quem não está familiarizado com o assunto, o N.W.A foi um grupo de rap que nasceu no final da década de 80 formado por cinco rapazes de Compton, bairro de Los Angeles. Movidos pela repressão policial, preconceito e um vontade de colocar para fora toda essa raiva, o grupo praticamente inventou o que hoje é conhecido como “gangsta rap”, levando em suas letras a verdade das ruas com uma pitada de “bad attitude”. “Uma pitada” só não, na verdade uma colher cheia até a boca.
E o roteiro escrito por Jonathan Herman e Andrea Berloff sabe muito bem disso. Então nada de apaziguar as forte personalidades desses caras que mudaram o rap no mundo. Mais profundamente ainda dos três pilares que movem o filme: Eazy-E (Jason Mitchell), Dr. Dre (Corey Hawkins) e Ice Cube (O´Shea Jackson Jr.). De modo prático Straight Outta Compton é sobre esse trio e de como seus caminhos se cruzaram e afastaram. De como ego, cobiça e atitude tanto criou o grupo, como acabou com tudo.
Com isso em mente, tanto o roteiro, quanto a direção de F. Gary Gray não parecem se preocupar em criar uma história maior do que ela já é. Apostam em uma verdade que mais parece ficção e ganham uma trama redondinha, com reviravoltas no lugar (ainda que óbvias) e um monte de saborosas histórias dos bastidores. É realmente incrível saber que tudo aquilo aconteceu, todas as batidas policiais no meio de gravações e um incrível embate com as autoridades durante um show em Boston. Uma realidade muito mais divertida que qualquer ficção.
Do mesmo jeito que constroem e aproveitam bem a famosa “briga” entres Ice Cube e o N.W.A depois de sua saída. Embate que reverberou no mundo do rap e praticamente criou um dos modos mais práticos de divulgação que o gênero usa até hoje, com seus cantores se cutucando através das músicas e entrevistas. Uma prática quem em certos momentos chegou até a vias de fato e fez vítimas, como os rappers Tupac Shakur (que até dá uma palhinha no filme) e Notorious B.I.G..
E esse tipo de referência enrique demais o filme, que não se mostra refém disso, mas não perde uma oportunidade sequer de esbarrar em um jovem Snoop Dogg, por exemplo. Mas de qualquer jeito a cereja do bolo é ver, principalmente, como os três protagonistas surgiram e se tornaram as lendas que hoje são. E isso não seria possível sem um elenco à altura dessa vontade de recriar essa história.
Mitchell e Hawkins (Dre e E, respectivamente) emprestam a veracidade necessária para que encarnem perfeitamente bem suas personas biografadas. Talvez até mais que isso, ainda que ambos venham de carreiras relativamente curtas e desconhecidas, seguram perfeitamente bem todas nuances de seus personagens, tanto na hora de encorporarem os rappers, quantos nos momentos mais sensíveis. Já O´Shea Jackson Jr., tira esse “Jr.” do próprio Ice Cube, o que faz com que a impressão de estar vendo o rapper na tela seja realmente impressionante, isso combinado com um esforço enorme para manter o jeito marrento e “gangsta” que praticamente ditou o caminho de todos rappers que vieram depois dele.
E falando em “momentos sensíveis”, quem acaba não se dando tão bem assim com isso é o diretor F. Gary Gray, que não prejudica a experiência, mas força uma câmera milimetricamente mexida de modo tão duro que torna a ideia meio artificial quando precisa apenas observar seus personagens em diálogos mais complexos. Por sorte isso não atrapalha o resto do filme e o que fica é a impressão de um trabalho que não faz nada demais, mas que sabe aproveitar bem o roteiro, os atores e uma direção de arte que recria de modo preciso a época e suas nuances.
Straight Outta Compton parece realmente um retrato da época, mistura bem o contexto político que moveu aquela geração (principalmente no que culminou com o caso de Rodney King) e mostra que se certas histórias precisam ser contadas de qualquer jeito, que pelo menos elas sejam assim: com cuidado, carinho, (“bad”) atitude, musica boa e… bom, com tudo isso e “Fuck the Police!”.
“Straight Outta Compton” (EUA, 2015), escrito por Jonathan Herman e Andrea Berloff, à partir da história de S. Leigh Savidge, Alan Wenkus e Andrea Berlof, dirigido por F. Gary Gray, com O´Shea Jackson Jr., Corey Hawkins, Jason Mitchell, Neil Brown Jr. Aldis Hodge e Paul Giamatti.