O interessante de grandes diretores como Steve Soderbergh é que ninguém é obrigado a entrar e sair de um de suas produções tendo visto apenas um único filme. E Terapia de Risco é justamente isso, um apanhado de possibilidades e gêneros, tudo em uma só história, o que por si só já é um deleite… ainda que muitas deles derrapem feio.
E o problema é justamente isso: esse monte de possibilidades. Não que eles sejam ruins, bem longe disso, já que seu fio condutor e premissa são extremamente bem colocados e precisos, mas entre o prédio cheio de janelas que abre o filme e a semelhante imagem que carrega o espectador para os créditos finais, há corredores demais. E nem sempre eles levam para a uma nova porta.
E na verdade, são em dois momentos envolvendo portas que Soderbergh mais deixa claro não saber o que fazer com o tamanho de sua trama. Em ambos, um grupo de policiais está a espera de um dos personagens que acaba preso, mas em ambos também fica claro que, sem como resolver esses problemas com um pouco mais de robustez, “Terapia de Risco” acaba se tornando um daqueles filmes que começam bem, compensam com um miolo interessante e não conseguem acabar.
Finalizar, justamente essa história que começa com um rastro de sangue em um apartamento e volta no tempo para contar a história dessa jovem (a ótima Rooney Mara que, de modo sutil, se perde no personagem com a mesma força de sua Lisbeth Salander) que acaba sofrendo de uma depressão séria assim que seu marido (Channing Tatum) sai da prisão. Emily (Mara) acaba então indo se tratar com um jovem médico (Jude Law), mas o tratamento acaba não dando tão certo e, tanto a vida dela, quanto a carreira dele, acabam ficando em risco depois de um crime (aquele rastro de sangue lá do início do filme).
O roteiro preciso de Scott Z Burns (parceiro de Soderbergh em Contágio, O Desinformante e mais alguns filmes do diretor) nesse momento, não só e a grande estrela do filme, como consegue perdurar por um ótimo tempo movido apenas por essa relação entre os personagens, mas se destaca, justamente, no momento que se entrega à possibilidade de deixar aquele drama sobre antidepressivos se transformar em suspense… então em um pequeno filme de tribunal… depois em mais um drama familiar (agora com o médico de Law no foco)… por fim uma investigação… um monte de surpresas e ai, nesse momento, um cansaço enorme não deixado ninguém no cinema curtir suficientemente bem nada que passou.
Por mais que bem motivados, tirando o começo promissor e o arco narrativo do médico todo o resto parece se resolver em pouco tempo demais. Como se os personagens não agissem, mas sim fossem movidos por epifanias. Em um momento o personagem de Law está sentado sozinho em sua casa, tomado pela tristeza de ter visto toda sua vida ser arruinada e, na mesma cena ele já vê um plano maquiavélico surgir em frente aos seus olhos. Um plano tão infalível (aquele com as portas e os policiais) que fica difícil de acreditar que depois disso ele ainda demore tanto tempo para resolver tudo.
Por sorte, a câmera de Soderbergh continua precisa e valorizada a cada plano, sempre buscando mergulhar dentro de seus personagens e encará-los de frente, o que deixa o filme técnica e visivelmente complexo e poderoso, o que não é nada mais do que se pode esperar do diretor (enquanto não está levando um monte de ladrões para roubarem cassinos).
Entretanto, isso não consegue salvar o filme do que ele é, ao invés do que ele poderia ser.
E isso não seria um exercício de vidência, mas sim de perceber o quanto essa história se torna poderosa quando, surpreendentemente, se joga no colo de um outro protagonista (o médico) e passa a acompanhar o peso e a obsessão desse homem diante de seu “erro”. Ao mesmo tempo em que encontra tempo para discutir toda geração movida por antidepressivos “para o cérebro falar que eles não estão tristes” e que veem na TV os anúncios sobre os medicamentos e “eles parecem tão felizes”, mas que na verdade mascaram o mundo aos seus redores. Um mundo que o personagem logo descobre, do pior jeito.
Enquanto por um momento esse poder move o filme, na sequência tudo parece se resolver de modo simplista e “novelesco” demais, como se Terapia de Risco preferisse entupir seu filme de soluções que lhe carregam para um status quo que não parece combinar com o filme. Como se escolhesse uma espécie de antidepressivo forte para “deixar mais fácil ser quem ele é” e não quem deveria ser.
Side Effects, escrito por Scott Z. Burns, dirigido por Steven Soderbergh , com Rooney Mara, Channing Tatum, Jude Law e Catherine Zeta-Jones
Trailer