Terra Selvagem é o melhor filme da carreira de Jeremy Renner, que já possui alguns trabalhos bem interessantes, mas nunca talvez tão intensos e compenetrados como esse. E isso dentro de um filme redondíssimo, que atravessa eventos que poderiam render vários clichês e desvia de todos eles pela sua qualidade narrativa e construção de atmosfera. E, claro, por Jeremy Renner.
Este não é um filme que tenta a todo momento soar politicamente correto, mas tenta algumas vezes, o que já soa enjoativo por natureza. Mas ainda assim, seu núcleo é animalesco, instintivo, e não depende muito dos detalhes da história para universalizar seu tema. Basta ver o início, em que vemos o caçador Cory Lambert (Renner) abater um dos lobos que ameaçava um rebanho de ovelhas. Vemos o lobo levar um tiro, sangrar, morrer e ser arrastado pela neve, deixando um rastro. Este é o tom que deve pautar todo o resto da história.
Baseado em eventos reais e se passando quase todo o tempo em uma neve espessa, os acontecimentos viscerais do longa não permitem que não encontremos até Fargo como seu irmão mais velho, e ainda assim o filme se distancia do trabalho tragicômico dos irmãos Coen para abordar temas mais sérios. Entre eles está o descaso e o desrespeito histórico aos índios nativos que ali dominavam a região por séculos. Hoje eles vivem à margem de uma sociedade que não reconhece sua cultura e nem há a possibilidade de adaptação.
Porém, o pior mesmo é o desrespeito. Não serem tratados como seres humanos. E isso o filme consegue um exemplo perfeito de como a hipocrisia americana de direitos individuais, seu pilar patriótico, não vale para certas etnias. Não na prática, pelo menos. A maneira velada com que vamos descobrindo isso chama mais a atenção do que se fosse dito palavra por palavra. É o luto de um pai pela filha e o forte laço entre amigos que desperta a sensação de solidariedade entre os que sofrem em silêncio.
Renner faz um caçador de predadores que busca desde e a morte de sua filha uma forma de conviver com a dor. Quando a filha do seu melhor amigo também é assassinada é como se suas preces fossem ouvidas, e mesmo que o sujeito aparentemente seja inabalável vemos que ele se dá o direito de viver intensamente à sua maneira. Note sua composição de personagem. À vontade, sem forçar seu lado interiorano porque no fundo ele é essa pessoa de fala mansa, com sotaque naturam (em vez de forçado, como é comum em atores menos habilidosos), e que observa como se estivesse todo o tempo em modo de caça. Nada abala Renner e sua sniper.
A inexperiente agente do FBI, que vem em primeiro nos créditos, serve simplesmente como o elemento que irá explicar como este caçador é muito bom, e como seu conhecimento e sua vontade de ajudar serão importantes para uma investigação no meio do nada com quase nenhum suporte externo. São vários elementos que justificam a história que irá se desenvolver. A atuação e o papel de Kelsey Asbille não justificam seu destaque. Mas, como já havia avisado, este é um filme com doses leves de politicamente correto. Traduzindo: um filme que fala da violência contra a mulher precisa ter uma protagonista mulher, embora saibamos que sua posição no roteiro, apesar de flertar com uma Clarice Starling (Silêncio dos Inocentes), nunca chega a ficar próximo de ser comparável.
Embora exista o desejo claro de realizar discursos sociais, o roteiro de Taylor Sheridan, que aqui estreia na direção, consegue evitar cair no lugar-comum e através de sua narrativa e seus inspirados diálogos se manter firme em estar inserido no modo de viver daquelas pessoas, e assim como seu roteiro anterior, A Qualquer Custo, dar uma sensação muito nítida do espírito americano atual.
“Wind River” (RU/Can/EUA, 2017), escrito e dirigido por Taylor Sheridan, com Kelsey Asbille, Jeremy Renner, Julia Jones, Teo Briones, Apesanahkwat