por Vinicius Carlos Vieira em 26 de Dezembro de 2010
Do mesmo jeito que o cinema cria mitos, parece sempre ter uma predisposição imensa para botá-los ao chão. Talvez Francis Ford Copolla nunca mais consiga fazer algo do tamanho de sua trilogia do “Poderoso Chefão”, nem tampouco chegar perto do seu caos pessoal de seu “Apocalipse Now”, mas nem por isso seu novo “Tetro” possa ser regulado por baixo. Ainda mais quando o resultado é tão acima da média.
Não que seja uma obra-prima, bem longe disso, principalmente por problemas no ritmo e em uma aparente perda de controle do diretor com sua história, mas ainda assim, “Tetro” exala um tipo de frescor, e uma coragem, para contar uma história que na mão de muitos, provavelmente, nem chegasse perto do olhar tão profundo de Coppola.
Para o diretor, a história do irmão mais novo, Bennie, que desembarca em Buenos Aires à procura do mais velho, o Tetro do título, e encontra uma figura confusa e caótica, que parece carregar o peso de seu próprio passado, assim como o da própria família, ganha ares teatrais e exagerados em um melodrama que se sustenta mais e mais a cada passo que a trama dá em direção a uma espécie de tragédia anunciada. Que não chega a acontecer, mas está lá sempre pronta.
Esse peso todo talvez faça muito gente cansar de “Tetro”, já que Coppola não economiza um certo exagero narrativo em nenhum momento, aparentemente até completamente proposital, ainda mais por dialogar o tempo inteiro com óperas e balés. Ainda mais com uma fotografia em preto e branco que carrega tudo para seus extremos. A impressão maior é que, no intuito de contar essa história familiar, desses dois irmãos à sombra do pai, tentando buscar exatamente força para sair desse breu de genialidade (ainda que, de certo modo cada um acabe caindo na mesma armadilha, como se essa sombra sugasse todos) ao mesmo tempo em que parecem lutar para ser eles mesmos.
O Tetro que renuncia a família, na verdade acaba sendo vítima da sua própria inabilidade de lidar com esses sentimentos, ao mesmo tempo que seu irmão ainda manuseia sua carta de despedida (com um rasgo no meio de tanto desdobrada e dobrada) como uma âncora, uma desculpa para ele estar ali. O que Copolla faz é levar não só essa relação ao limite, como toda dinâmica da família na mesma direção, em um momento, é fácil pensar que nenhuma verdade ou mentira salvará aqueles personagens, assim como é fácil perceber que, às vezes, todas aquelas sombras só mascaram a verdade.
É por isso que é impossível achar que Coppola tenha em seu “Tetro” um momento menor, já que é mais difícil ainda sair do cinema indiferente com tudo aquilo. E melhor ainda, Copolla faz com que todos seus personagens sejam atraídos para esse núcleo despedaçado chamado Tetro, como as mariposas rodeando a luz, como se celebrasse o caos, a inveja e a dor de uma família inteira com precisão cirúrgica, quase sem nem precisar mostrar toda essa relação, mas sim somente a da dupla de personagens. Quase um dança trágica onde no final ninguém sai ileso.
O bom disso tudo é ainda constatar um conceito visual fortíssimo de Coppola, que, mais que nunca, e até por não ter uma história sensacional em mãos (correta, mas não surpreendente), parece querer fazer de cada composição um plano inesquecível, cheio de vida e significado. O que dá um sabor todo pessoal ao filme, já que é fácil se pegar olhando perdido aqueles quadros em movimento que o diretor faz sempre questão de pintar com sua câmera.
Na ponta de tudo isso, Vincent Gallo, cria um Tetro caótico e ao mesmo tempo cheio de vida, profundo e inesquecível, fazendo seu personagem transparecer uma certa fragilidade emocional ao mesmo tempo que, pelo lado de fora, parece andar, brigar e agir como uma força da natureza. Como ele mesmo diz, “um amante sem amor, um poeta sem poema”, que se esconde por trás da luz do holofote do teatro como se assim pudesse só ele mostrar para onde todos devam olhar, já que só a luz é a verdade (ao mesmo tempo em que, ao final, percebe que o melhor é não olhar para ela). Gallo se perde no personagem para o bem do filme e Coppola percebe isso, já que não tenta em nenhum momento deixar sua câmera fugir de seu protagonista.
Pois é exatamente isso que os gênios fazem, conseguem enxergar a beleza, a dor, a alegria e a tristeza, em histórias que poderiam ser somente exercícios melodramáticos, assim como olham para seus atores e vêem estrelas, fazendo com que os mesmo achem a mesma coisa e façam esse trabalho. Como um modo de ver o cinema de maneira diferente, com mais nuances e espaços a serem preenchidos com suas imagens, justamente por isso que, diretores como Coppola podem se dar ao prazer de vez por outra se perderem contando histórias que, para a maioria, nem valeriam uma ida ao cinema.
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idem (EUA/Arg/Esp/Ita, 2009), escrito e dirigido por Francis Ford Coppola, com Vincente GAllo, Alden Ehrenreich, Maribel Verdú. Rodrigo De la Serna, Klaus Maria Brandauer e Carmen Maura
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