Sobre o que é Tipos de Gentileza? Não sei. Nem tenho pretensão de responder com clareza. Na verdade, acho que nem o diretor Yorgos Lanthimos está muito afim disso. Há apenas um convite para você embarcar nessas histórias, não para entendê-las.
Lanthimos volta a escrever um roteiro com seu parceiro de longa data Efthimis Filippou, mesmo das parcerias de Dente Canino, O Sacrifício do Cervo Sagrado e O Lagosta. Porém Tipos de Gentileza é mais desvendável. O problema é que talvez você, espectador, não esteja pronto para entender aquilo que descobre ser as intenções do diretor. Ou, pelo menos, aquilo que parece ser.
Mas talvez não seja nada disso. Talvez seja apenas uma comédia esquisitona e cínica que conta três histórias que parecem não ter nada em comum, mas, ao mesmo tempo, então absolutamente próximas entre si. Além da onipresença de R.M.F.
Na primeira história ele (Yorgos Stefanakos) morre. Na segundo ele está pilotando um avião. Na terceira ele come um sanduíche. Talvez ele seja até o mesmo personagem nos três momentos, então fica a seu critério desvendar qual a linha do tempo dele, principalmente, pois é sua presença que esbarra e move os outros personagens delas. Mesmo eles sendo “reencarnações” dos mesmos atores em situações completamente diferentes.
Isso faz parte da brincadeira de Lanthimos. Quase um cinismo. Como se olhasse para seu espectador e o desafiasse a dar um jeito de unir os três segmentos enquanto usa o título como chave dessa codificação. Quem embarcar na ideia, ganhará um filme que brinca com esses conceito o tempo todo, ao mesmo tempo que se permite ir exagerando em ideias absolutamente esquisitas e estranhas. Quem não entrar na ideia, vai sair do cinema xingando o diretor grego.
Talvez com razão, já que Lanthimos não quer que seu filme seja fácil. Claramente se sentido confortável dentro dessa história que beira o inacessível. Trancado de um jeito tão poderoso que pode afugentar quem não quiser pensar muito. Por mais que seja difícil entender o que raios alguém que não quer pensar muito vá fazer dentro de uma sessão de um filme do mesmo diretor de Dente Canino e O Sacrifício do Cervo Sagrado.
Mas deixando claro que Tipos de Gentileza é muito mais “fácil” do que esses dois filmes. Três histórias que soam herméticas, mas acabam sendo simples em suas complexidades. Por mais que isso possa parecer paradoxal.
Na primeira delas, Jesse Plemons é um executivo rico que obedece cegamente as ordens de seu chefe vivido por Willem Dafoe. E quando se fala em “ordens”, estamos falando de uma programação completa de tudo que ele deve fazer no dia. Até que uma das ordens parece extrapolar sua régua moral, o que faz ele ser abandonado pelo chefe.
Na segunda história, Plemons é um policial que sofre com o desaparecimento da esposa, vivida por Emma Stone. O problema é que, quando ela volta, ele passa a desconfiar que ela não é mais a mesma pessoa.
Por fim, nesse terceiro momento do filme, Emma Stone e Plemons vivem duas espécies de agente de uma seita maluca que andam pelos Estados Unidos em busca de uma figura messiânica com poderes extraordinários.
O que liga as três coisas? Talvez essa vontade de tentar buscar essa explicação. Mas muito provavelmente é uma visão sobre obsessões que se tornam maiores que esses personagens. Ao mesmo tempo que caminham perto dessa ideia de morte como um estágio que pode ou não ser um fim, mas que os coloca nessa encruzilhada de sanidade e dignidade. A cada história esses personagens precisam tentar entender o significado dessas perdas. Precisam lidar com a frustração de não saberem o que fazer sem aquilo que mais procuravam.
Ou simplesmente tudo isso pode estar errado e a ligação entre as partes seja a perda de pelos e cabelo dos personagens vividos por Plemons. Ou até a ideia de que essa vontade de entender o que não é explicado esteja mais longe do livre arbítrio e mais perto da selvageria, da violência e da troca de fluídos. Não existe destino, apenas o caos e o absurdo.
É nesse lugar que Lanthimos vai além. Cada segmento de seu filme parece tentar ir mais e mais longe até encontrar esse lugar onde o incômodo e o hilário brigam pela atenção de seu espectador e quase não permitem o riso automático. Deixam ele escondido em algum lugar sombrio brigando com um exagero tão complexo do roteiro que fica guardado até um bom tempo depois do final do filme. Quando isso acontece, será preciso conter a ideia canalha de Lanthimos de criar esses mundos onde os absurdos não são lições de moral, mas sim pretextos para um fim anticlimático.
Enquanto nos dois primeiros segmentos um pequeno crédito final interrompe momentos de completo descolamento de bom gosto estético e narrativo, no terceiro, a história continua por mais um minuto, mostrando o quanto nada dá muito certo, foi apenas você que não viu nas outras vezes. Seus personagens são sacrificados pelo bem de uma história que se liga através da falta de ligação e do ridículo. Também pela presença dos mesmos atores nelas.
Mas acho que não existe pretensão nenhuma de explicar Tipos de Gentileza de modo linear, não linear ou minimamente coerente. Existe até a possibilidade de tudo isso ser viagem da minha cabeça e apenas um esforço intelectual meu para limpar a barra do diretor diante de uma possível perda completa de sua capacidade de fazer algo que seja claro em suas intenções. Ou até uma resolução sem clímax, apenas frustração, como os personagens dos segmentos.
Não existem certezas em Tipos de Gentileza, mas existe um desafio. Um filme que provoca e talvez isso seja mais que suficiente para ele ser imperdível. Mas não se engane, ele não é um sanduíche qualquer, ele vem com um esguicho de ketchup que vai sujar sua camisa e não permitir que você saia dele do mesmo jeito que você entrou, independente da quantidade de guardanapo que você use.
“Kinds of Kindness” (Irl/UK/EUA/Gre, 2024); escrito por Yorgos Lanthimos e Efthimis Filippou; dirigido por Yorgos Lanthimos; com Emma Stone, Jesse Plemons, Willem Dafoe, Margaret Qualley, Yorgos Stefanakos, Hong Chau e Mamoudou Athie.