Em 2004, O Âncora chamou pouca atenção do público brasileiro e, assim, esta sequência ganhou um título diferente e sem ligação com o longa original. E, mesmo podendo, de certa forma, ser apreciado por quem não viu o primeiro filme, Tudo por um Furo se conecta diretamente ao original e, mesmo menos ambicioso, é um trabalho que justifica sua existência – e faz rir.
Alguns comediantes (homens, brancos e heterossexuais) adoram usar a comédia como desculpa para disparar comentários preconceituosos e ignorantes, escondendo-se por trás da desculpa “mas é só uma piada!”. Assim, O Âncora, ao colocar o machismo dos canais de televisão da década de 70 no centro da narrativa, acertou ao fazer dos homens machistas o alvo de suas piadas e do riso do espectador, mostrando a estupidez de sua discriminação, e ao sempre mostrar Veronica (Christina Applegate) reagindo às ofensas, discretas ou não, de seus colegas do sexo masculino.
Em Tudo por um Furo, agora ambientado na década de 80, Ron Burgundy (Will Ferrell) e Veronica Corninstone são a primeira dupla formada por um homem e por uma mulher a apresentar um programa de notícias. A falta de competência do âncora, porém – que ainda lê qualquer coisa que estiver no teleprompter -, faz com que ele seja despedido por seu chefe, Mark Tennen (Harrison Ford), enquanto Veronica é promovida a apresentadora do jornal do horário nobre. Sem conseguir lidar com o maior sucesso da esposa, Ron declara que ela terá que escolher entre ele e o novo emprego. A âncora, acertadamente, escolhe a segunda opção.
Depois de trabalhar (e ser despedido) do SeaWorld, Burgundy (Will Ferrell) e sua equipe formada pelo repórter de campo Brian Fantana (Paul Rudd), o comentarista esportivo Champ Kind (David Koechner) e, claro, o “homem do tempo” Brick Tamland (Steve Carell) veem-se às voltas com a criação da GNN, primeiro canal de notícias 24 horas dos Estados Unidos. O canal vai se desenvolvendo e recursos como o uso excessivo de gráficos são implantados, satirizando canais de extrema direita e que prezam por notícias inofensivas e pouco relevantes como a Fox News. “É uma total porcaria, mas eles não conseguem parar de assistir!”, declara um dos executivos do canal.
Assim, depois de evoluir para notícias mais importantes no longa anterior, Burgundy volta a uma emissora desesperada por audiência e que fará o que for preciso para consegui-la; o programa inicialmente traz notícias que glorificam os Estados Unidos, apelando para o patriotismo cego de grande parte da população. Certo dia, Burgundy pede que os produtores coloquem no ar o feed de uma perseguição de carro, o que faz um sucesso estrondoso entre os espectadores – e, em vez de procurar outras notícias para transmitir ao vivo em edições futuras, o estúdio apenas espera que outra perseguição aconteça.
E, da mesma forma como o machismo no longa original, Tudo por um Furo traz uma subtrama enfocando o racismo (com um toque de machismo) através da presença de Linda Jackson (Meagan Good), supervisora da GNN. Quando ela é apresentada a Burgundy como sendo sua superior, ele imediatamente assume que “Linda Jackson” é o homem branco que entrou na sala junto com ela, de tão absurda que a ideia de uma chefe mulher negra lhe parece. Novamente, o longa acerta ao enquadrar comportamentos como este como ridículos e ignorantes.
O elenco surge novamente eficiente e com uma dinâmica ainda mais forte. Ferrell, como no primeiro longa, consegue transformar Burgundy em uma figura tridimensional, fazendo do personagem alguém pelo qual consigamos nos simpatizar mesmo quando ele obviamente está agindo de forma errada e mostrando sua incompetência profissional. Seus colegas de jornalismo surgem igualmente carismáticos, e Carell em especial ganha mais destaque, sem que seu personagem se torne cansativo – e ele ainda tem, aqui, um interesse romântico, interpretada pela ótima Kristen Wiig, e o casal protagoniza ótimos momentos, como quando se conhecem e se apaixonam imediatamente. A cena do confronto entre várias equipes jornalísticas de O Âncora acontece novamente com ainda mais participações especiais, como Kanye West como um repórter da MTV, Marion Cotillard e Jim Carrey como âncoras da CBS News em Québec, Tina Fey e Amy Poehler como chefes da equipe de notícias do Entertainment Tonight e a ótima ponta de Liam Neeson liderando a equipe do History Channel (“história são notícias contadas muito tempo depois”).
Com seu humor nonsense (a conclusão de uma subtrama envolvendo o novo namorado de Veronica, o psquiatra vivido por Greg Kinnear, é hilária) unido a cenas de perseguição, piadas absurdas e sátiras, Tudo por um Furo mantém a alma do filme original mas, ao mesmo tempo, segue por caminhos bastante diferentes, fazendo com que este seja um trabalho que parece ter nascido da vontade dos realizadores e do elenco de contar mais histórias neste universo, e não apenas por dinheiro (afinal, por mais que hoje seja bastante cultuado, O Âncora não teve grandes números de bilheteria). O diretor Adam McKay (que dirigiu o primeiro e escreveu ambos ao lado de Ferrell) comanda o longa com competência, criando sequências inteligentes como, por exemplo, ao trazer os personagens mencionando a presença de vários objetos perigosos (incluindo uma jarra de escorpiões) no trailer em que se encontram segundos antes de sofrerem um acidente – em que, claro, os objetos citados piorarão a situação.
Aproveitando elementos que funcionaram no original sem parecer apenas estar reciclando o que já foi feito, Tudo por um Furo peca ao inserir subtramas mais emocionais que são pouco desenvolvidas para realmente envolver. Mesmo assim, é uma comédia bem vinda e eficiente, e é um prazer rever estes ótimos personagens na telona.
“Anchorman 2: The Legend Continues” (EUA, 2013), escrito por Adam McKay e Will Ferrell, dirigido por Adam McKay, com Will Ferrell, Steve Carell, Paul Rudd, David Koechner, Christina Applegate, Meagan Good, Kristen Wiig, Dylan Baker, Greg Kinnear e James Marsden.
Trailer do filme Tudo Por Um Furo