Um Clássico Filme de Terror | #015 | 666 Filmes de Terror


Tem uma ótima piada no final de Um Clássico Filme de Terror, enquanto alguns comentários de redes sociais pintam na tela a respeito de uma certa produção, um deles diz que o cinema italiano não sabe fazer filmes de terror, mas acreditem, eles sabem. E fazem muito bem, como é o caso de Um Clássico Filme de Terror, que faz jus a uma longa tradição de terrores italianos.

Além do Giallo e seus assassinos, o gênero na Itália foi sempre comandado por gente genial como Lamberto Bava, Lucio Fulci, Dario Argento, Michele Soavi e Mario Bava, sem contar, é claro, clássicos do gênero como Holocausto Canibal de Ruggero Deodato, que, definitivamente mudou os rumos do terror. Enfim, italiano sabe fazer terror, fizeram alguns dos melhores.

Mas a outra piada de Um Clássico Filme de Terror é, justamente, não seguir esse caminho, mas sim brincar com a ideia de que é preciso seguir alguns clichês americanizados para ser tornar “clássico”, já que é só isso que o pessoal quer ver mesmo.

Portanto, o pessoal está na Itália, mas poderia ser em um lugar qualquer do interior caipira dos Estados Unidos. E quando uma jovem (Matilda Anna Ingrid Lutz) decide entrar em um trailer com mais quatro desconhecidos para chegar na casa da mãe, é fácil imaginar que tudo isso pode dar errado. Ainda mais quando o espectador percebe que ela está grávida e presa entre a religiosidade e um aborto.

Tudo bem, isso é um clichê preguiçoso, mas é uma espécie de âncora emocional que a coloca como protetora de uma menina que o grupo encontra mais para o meio do filme. E aqui um spoiler, se no começo do filme ela têm dúvidas, na hora de levar em conta essa sensação materna ditada pela situação com a menina, o aborto é indiscutível e explode contra a parede de um trailer.

Voltando um pouco, o grupo que viaja junto através de um daqueles aplicativos de carona acaba desviando de um cervo morto no meio da estrada e batendo em uma árvore. Para a surpresa de todos, acordam em um lugar completamente diferente, já no meio da floresta e próximos a uma “casa muito engraçada”. A música de Vinicius de Moraes é tocada em sua versão italiana enquanto uma espécie de seita começa a sacrificar os personagens ao melhor estilo O Homem de Palha.

Portanto, em pouco mais de meia hora de filme o espectador já passou por um monte de referências ao melhor (ou pior) do cinema americano que chega até a citar o semidesconhecido (porém imperdível), Rota da Morte, de 2003. O roteiro dos diretores Roberto De Feo e Paolo Strippoli, em parceria com Lucio Besana, acerta na mosca diante desse desfile de homenagens e em como vai construindo essa impressão de que nada é aquilo que parece. Quase como uma brincadeira com o espectador/fã, que vai identificando as referências e “matando as charadas”, mas sempre logo em seguida sendo enganado novamente. O filme então ainda ruma para uma ideia que celebra um certo sucesso dos últimos tempos onde o protagonista não só sobrevive, como enquanto faz isso, vai dizimando a galera culpada por todo seu sofrimento.

O clima psicodélico de parecer que nada daquilo é real (um sonho… limbo… sei lá), se torna concreta e com esses três assassinos meio sobrenaturais (ou não): Osso, Matrosso e Carcanosso. O trio pode ser uma lenda, pode estar ligado à máfia da Sicília ou pode ser apenas uma desculpa para matar jovens que estão no filme errado e na hora errada. Mas o que importante é que os três funcionam, tem presença, violência e aquela sensação de que poderiam estar em alguma franquia descartável do gênero.

A dupla de diretores não só valoriza bem a presença dos três, como ainda cria um clima interessante e sufocante, além de, é claro, amedrontador. A seita de “caipiras italianos” vestindo máscaras com cara de algum culto pagão florestal e antropomórfico sem vontade nenhuma de deixar ninguém vivo é digna de pesadelos. A ideia de uma multidão agindo em uníssono é sempre algo assustador e os diretores sabem disso. Na verdade, os dois diretores sabem exatamente que botões apertarem para fazer com que seus espectadores se espremam no sofá depois de algumas ótimas cenas para quem gosta de gore… e dor lancinante… e martelos… e canelas.

Mas o mais importante de Um Clássico Filme de Terror é que ele engana seu espectador. Mesmo quebrando as certezas dos fãs, vai aos poucos colocando os personagens em uma situação onde eles têm tão poucas chances de sobreviver que ninguém vai ficar preocupado em tentar entender como tudo aquilo chegou ali. Se é real ou sobrenatural, se é um slasher, um terror psicológico, ou até um “folk horror” (sabemos que ele não é um “pós-terror”, porque isso não existe!). Ele realmente é outra coisa, mas está realmente interessado em fazer disso uma surpresa que fará o filme ganhar um terceiro ato eficiente e empolgante.

Ainda que exista a vontade/piada de ser um “clássico filme de terror” americano para que “assim todos o vejam”, o filme está interessado não só em discutir essa relação entre o consumo do terror, como ainda conversa com o próprio italiano Holocausta Canibal a respeito dessa cultura do “snuff movie” e do quão isso pode ser um pedacinho do terror que perde o limite e é transportado para a vida real.

Um Clássico Filme de Terror é construído através dessa inversão. Do deslocado. Como se algo estivesse fora do lugar e nunca permitisse que aquelas ideias fossem além da certeza dos fãs (que irão errar). A música aparentemente inofensiva está tocando ao fundo de uma sequência completamente violenta. A vontade de sobreviver é maior do que a de permanecer sob os olhos intactos do cristianismo. Um aborto metafórico com uma espingarda pode resolver a relação metafórica de mãe e filha. O que está por trás das câmeras pode ser real. Só não muda nunca o desconhecimento, principalmente daqueles que continuarem acreditando que italianos não sabem fazer filmes de terror. Sabem. E fazem isso muito bem.


“A Classic Horror Story” (Ita, 2021); escrito por Roberto De Feo, Paolo Strippoli e Lucio Besana; dirigido por Roberto De Feo, Paolo Strippoli, com Matilda Anna Ingrid Lutz, Francesco Russo, Peppino Mazzotta, Will Merrick, Yulia Sobol, Alida Baldari Calabria e Cristina Donadio


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Trailer do Filme – Um Clássico Filme de Terror

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