Gary Ross é um diretor renomado e visualmente habilidoso; todo lado histórico desse “Estado Livre de Jones” é interessante demais; Matthew McConaughey é sempre um espetáculo… mas quando você junta tudo isso em Um Estado de Liberdade, o resultado é chato… muito chato.
Chato o bastante para eclipsar toda e qualquer qualidade que que essa mistura toda de elementos do primeiro parágrafo possa resultar. É claro que se analisado todo separadinho, a impressão é de um filmão, mas não se engane, ele é chato.
E agora que eu já chamei Um Estado de Liberdade de “chato” três vezes em menos de 10 linhas de texto é melhor explicar um pouco. O filme conta a história de Newton Knight (McConaughey à vontade no papel desse sulista cheio de sotaque), um personagem real que durante a Guerra Civil dos Estados Unidos, frustrado e desencantado, abandona o front para levar o corpo de seu sobrinho para casa. Uma decisão que o transforma em um desertor procurado pelo exército.
“Newt” então se junta a um grupo de escravos escondidos em um pântano, uma reunião que desperta nele uma espécie de inspiração ideológica para libertar todos oprimidos pela Guerra. Em pouco tempo isso o faz se tornar o líder de um exército que impõe suas ideias libertárias ao condado de Jones, enfrenta os confederados e, por fim, cria esse tal “Estado Livre”.
O problema é que para chegar em cada um desses momentos, Um Estado de Liberdade se arrasta entre personagens desinteressantes e subdesenvolvidos (que vem e vão sem cerimônia) e uma trama que demora demais para engatar a segunda marcha. Pior ainda, quando engata, satisfaz alguns poucos com uma pequena ação para logo na sequência voltar a caminhar por situações que quase nunca interessam para ninguém.
O roteiro, também escrito por Ross, peca ainda ao não perceber que aos poucos vai criando um personagem que não é heroico, mas sim que só toma suas atitudes quando vê sua liberdade sendo cerceada. Só abandona a Guerra quando o sobrinho morre, só ataca um rico fazendeiro quando ele machuca sua “namorada” escrava e só enfrenta o exército quando esse mata seu amigo. Como se ficasse a impressão de que dependendo dele, ele ficaria lá no pântano comendo peixe e vivendo sua vida.
Mas tudo bem, mesmo por linhas tortas Knight faz o bem e incita essa população a ter uma vida melhor, porém, quando isso acontece é como se o roteiro simplesmente esquecesse de destrinchar isso. Não existe desdobramento sócio político nenhum diante da criação desse “Free State of Jones” que dá nome ao filme e o discurso para a multidão de revolucionários é deixado de lado no momento seguinte. O que é uma pena, já que o dia-a-dia de um condado onde todos são livres em meio a uma guerra escravista poderia resultar em vários bons momentos.
E falando em “bons momentos”, na verdade na ausência deles, Ross ainda decide apostar em um tipo de “flash forward” oitenta anos no futuro para mostrar o filho de Knight lutando pelo direito de casar, já que, ainda que branco, ele é apontado como “meio negro”, e uma lei anti-miscigenação o proíbe de casar com uma mulher branca. Mas tamanha subtrama interessante surge do nada no meio do filme (com um baita spoiler sobre os rumos da vida amorosa do protagonista) e depois vai apenas entrecortando e atrapalhando o pouco de ritmo que o filme tem. Se ninguém estava se interessando pelo próprio Knight naquele momento, o que dizer do filho dele em um tribunal sem nem abrir a boca?
E ainda que suas três indicações ao Oscar por seu trabalhos de roteiro não funcionem aqui, na hora de apontar sua câmera para Um Estado de Liberdade o resultado é bem melhor. Quando tem a oportunidade, como no embate entre Knight e um Coronel, vai até além disso e cria uma sequência incrível.
Um trabalho visual que ainda valoriza demais uma recriação de época que te coloca nesse faroeste meio sulista que foge dos clichês e tem uma personalidade incrível. E talvez aí esteja a única possibilidade de encarar Um Estado de Liberdade sem se chatear, já que fugindo da trama, dos diálogos, dos conflitos e motivações, o visual belíssimo deve salvar o filme… mas isso se ele tivesse 90 minutos, como 139, ele só é chato mesmo.
“Free State of Jones” (EUA, 2016), escrito por Gary Ross e Leonard Hartman, dirigido por Gary Ross, com Matthew McConaughey, Gugu Mbtaha-Raw, Mahershala Ali, Keri Russel, Christopher Berry e Sean Bridgers.