A câmera observa de longe essas duas mulheres se divertirem à margem de um rio. O carro aberto e a manhã chegando apontam que a festa começou em outro lugar antes de chegar por ali. Mas Um Forte Clarão não é sobre essas duas mulheres. Também é, mas não é só, bem verdade nem sabemos direito sobre o que ele é.
Ele é sobre essa cidadezinha, quase uma vila, onde a maioria esmagadora de seus moradores são idosos. De todos os tipos, ricas com casacos de pele e sem qualquer ligação com aquela realidade, gente com esperança de um grande acontecimento que irá mudar o mundo e até aquele monte de gente que tem como principal objetivo falar da vida dos outros. O filme de Ainhoa Rodríguez passa por todos eles, vai montando esse mosaico de pedaços que parecem não se encaixar.
O sonho de uma das moradoras imagina um grande clarão que se dará sobre a cidade e ao final dele, todos terão esquecido de tudo. As lembranças e certezas não servirão mais para nada e todas essas pessoas terão que viver suas vidas ao invés de se preocuparem com seus vizinhos. Mas isso também não é uma resposta ao filme.
Reside um mistério pelo filme inteiro. Tudo se entrelaça através de uma rede invisível sem respostas, apenas impressões. E quanto mais profundo a câmera chega, mais expõe essas pessoas. Seja por meio de uma quase orgia que move um grupo de mulheres ricas, seja por meio da sabedoria popular de uma outra mulher sozinha em seus pensamentos.
A grande questão do filme pode ser entender onde essas conversas e arremedos de histórias querem chegar. Há uma não linearidade que vai surgindo aos poucos, assim como um sobrenatural que chega sem avisar. Uma cabana perdida no meio do nada vazando uma luz vermelha atrai um cachorro perdido, mas também aproxima dela duas luas no céu. Mas isso é difícil de explicar. A dica é ignorar isso e curtir o visual interessante, ou poderá se irritar com a pretensão de contar uma história que não quer ser contada.
Rodríguez compensa boa parte dessa falta de significado maior com um visual forte e firme. As pessoas da cidade enchem o filme com suas almas e Um Forte Clarão se torna um daqueles filmes que são difíceis de entender, mas que te convencem a ficar por ali mesmo, olhando um monte de coisas acontecerem, sem muita explicação, mas com muito a ser desvendado.
Parece mesmo um exercício onde cada cena pede por um significado que não está mastigado, se perde demais nisso, mas é fácil ficar por lá, quebrando a cabeça para entender um pouco mais do que está acontecendo. Mas talvez Um Forte Clarão também não seja sobre isso. Melhor não apontar nada mesmo.
“Destello Bravío” (Esp, 2021); escrito e dirigido por Ainhoa Rodríguez; com Isabel Maria Mendoza, Carmen Valverde, Guadalupe Gutiérrez, Isabel Valverde, Isabel Maria Giraldo, Ángela González, Maria Sosa, Petra Parejo e Valentina Jiménez