Um Lugar Silencioso: Dia Um | Além desse silêncio

Se é difícil ser a continuação de uma franquia de sucesso, ser uma prequel sem qualquer ligação com o “lugar” criado pelos dois outros filmes é ainda mais complicado. Afinal, os fãs de Um Lugar Silencioso já viram o início da invasão pelos olhos dos protagonistas dos filmes anteriores. O (bom) problema é que, talvez, eles não soubessem o quanto queriam acompanhar o começo de tudo através de outros olhos em Um Lugar Silencioso – Dia Um.

O terceiro filme da série não só é bom, como é imprescindível. Melhor ainda, vai lá e faz algo absolutamente diferente e novo diante de tudo que foi feito, sem nunca esquecer de onde veio, aproveitando tudo aquilo que já foi criado e focando seus esforços em personagens ainda mais humanos, empolgantes e complexos.

Talvez Dia Um seja resumido assim diante dos outros dois filmes: mais humano, mais empolgante e mais complexo. Talvez não seja um filme melhor, até porque estão em lugares de comparação completamente diferentes, mas, com certeza, é uma experiência muito mais madura, como se entendesse dores diferentes, mais profundas e que fazem ainda mais diferença na hora de entender o que é preciso fazer para sobreviver.

Enquanto os dois primeiros são práticos, com a família tentando sobreviver, o novo filme é quase existencial. Melhor ainda, tem esse poder de olhar para dentro de si mesmo enquanto acompanha personagens no auge de suas fragilidades, diante de um perigo que eles ainda não entendem e tem pouco tempo para decidir se são forte o suficiente para sobreviverem.

Lupita N´yongo é Samira e em poucos segundos de filme o espectador já entende o quanto a história dela é complexa. Ela é portadora de um câncer terminal que não lhe dá muito horizonte. Uma mistura de melancolia e cinismo se misturam para que ela aguente seus últimos dias, mas diante do perigo vindo dessas criaturas extraterrestres, ela percebe que é a verdadeira dona de seu destino e nenhum monstro irá atrapalhá-la. Isso sem esquecer de comprovar mais uma vez o quanto a atriz é um espetáculo em cada decisão, construção e olhar.

No meio do caminho ela acaba encontrando com Eric (Joseph Quinn, que também está ótimo), um jovem de terno que parece perdido diante do único medo de não sobreviver o suficiente para continuar vivendo sua vida por mais um tempo. Uma dupla de protagonistas que parecem não encaixar, mas que o espectador vai aprender a amar, torcer e até chorar com eles. E essa é a maior arma de Dia Um.

Na verdade, a principal arma do filme talvez seja a presença de Michael Sarnoski na direção, responsável por criar esse monte de sentimentos, mesmo em meio a uma trama que mistura ação, terror, suspense e correria cheia de CGI. Sarnoski vem do incrivelmente humano, delicado e envolvente Pig – A Vingança, onde, assim como em Dia Um, é preciso chegar perto o suficiente do personagem para entender que aquilo não é só um filme sobre um porco.

Samira precisa ter a impressão que deixará para trás as melhores lembranças, o sabor da pizza e até os acordes do piano do pai no bar onde tocava. Eric não sabe direito o que quer, mas aos poucos percebe que quer o mesmo que ela, mas por entender que em meio a um desastre tão grande (o câncer, não os ETs), é preciso valorizar o que resta de felicidade. Mas para isso ambos percebem que precisa sobreviver.

As “regras do jogo” já foram postas na mesa, então o espectador tem a oportunidade de acompanhar os erros e acertos da dupla antes mesmos deles cometerem, o que cria uma sensação de suspense e imediatismo. Pior ainda (para eles, melhor para os espectadores e para a história!), muito rapidamente eles percebem o quanto são indefesos diante da selvageria das criaturas e nem por um segundo caem na armadilha de tentar enfrentar essa força descomunalmente maior que eles. O que dá um ritmo incrível à direção de Sarnoski, mas que também o permite experimentar a calmaria do silêncio com uma habilidade maior do que nos filmes originais.

Enquanto John Krasinski tinha um olhar plástico e cheio de estilo, com grandes cenas sem corte e ângulos rebuscados (tudo acertado!), Sarnoski é ponderado, objetivo e firme. Por isso, consegue criar uma relação entre os dois personagens nos momentos de calmaria de um modo extremamente delicado e comovente. O espectador verá a relação dos dois nascer e entenderá perfeitamente bem cada decisão e lágrima que virá disso. Ambos estão perdidos, mas não mais sozinhos.

O grito durante o trovão é de uma poesia que toma o filme. A salvação de dentro de uma igreja é como um renascimento, mas todos que veem a chegada dos dois permanecem atônitos, como se não tivessem mais esperança. O show de mágica no bar é como se um fio de esperança iluminasse um mundo onde nada mais tem como ser iluminado. O segredo é que sempre tem.

É óbvio que no meio disso tudo as criaturas atacarão, eles farão barulho e tudo irá sempre chegar perto do desastre, com a direção sempre chegando perigosamente perto dos monstros e sempre valorizando essas cenas, mas Dia Um nunca é sobre isso. Se nenhum desses invasores aparecessem no filme, sequer faria qualquer diferença para o resultado final. E (contrariando o autor desse texto) essa é a maior arma de Lugar Silencioso: Dia Um.

Essa sensação de que o filme é sobre as camadas por trás dessa ficção científica. Olhando para seus personagens como olham para o show de marionete no começo da história, onde o boneco consegue voar com a bexiga até sentir realmente que poderá voar. Mas ela explode e ele cai no chão todo meio desmontado. Samira achava que voaria, não conseguiu, o balão explodiu, mas ela teve a oportunidade de, uma última vez, levantar do chão, se remontar e fazer de tudo para que uma nova bexiga fosse assoprada até que Eric pudesse voar.

Para ambos, os monstros que caíram do céu não são o fim, mas sim se tornaram um começo. Para ela, principalmente, é a oportunidade de encher o próprio balão e estourá-lo quando bem entender, não quando qualquer doença quiser. Um primeiro dia que valoriza demais todos os outros e permite que Um Lugar Silencioso se torne ainda mais uma das séries originais mais interessantes do cinema nos últimos anos.


“A Quite Place: Day One” (EUA, 2024); escrito por Michael Sarnoski e John Krasinski; dirigido por Michael Sarnoski; com Lupita Nyong´o, Joseph Quinn, Alex Wolff e Djimon Hounsou


Trailer do Filme – Um Lugar Silencioso: Dia Um

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