De todas as qualidades de Lugar Silencioso: Parte II, a maior delas é sua personalidade. Mesmo sendo continuação do filme de 2018 (e que foi um sucesso enorme!) e, literalmente, continuado a contar essa história, o faz com sua próprio história. Mas tudo isso mantendo sua intensidade, boas ideias e um personagens incríveis.
O filme começa exatamente onde o primeiro terminou e leva a mãe vivida por Emily Blunt e os três filhos para fora de sua casa e tendo agora que enfrentar esse mundo ainda dominado por esses alienígenas atraídos pelo som.
A ideia é realmente expandir esse mundo, mas o foco da trama é acompanhar a jornada de crescimento dos dois filhos mais velhos. Regan (Millicent Simonds) e Marcus (Noah Jupe) precisam crescer não mais diante da pseudo segurança de sua casa, são obrigados a sobreviver ao mundo. E isso inclui mais humanos, mais decisões e uma facilidade ainda maior de trombar com os aliens.
John Krasinski volta ao filme na direção e agora escrevendo o roteiro sozinho, e isso faz um bem incrível para o resultado final. Esse segundo Um Lugar Silencioso e ainda mais emocionantes, ainda mais bem dirigido e ainda mais cheio de surpresas e possibilidades. Krasinski volta ao filme em uma pontinha como o pai da família Abbott, mas só em um flashback. E que flashback!
Antes de começar a andar com a história, o espectador vai ter uma oportunidade de acompanhar a família Abbott lidando com o “Dia 1” da invasão. A cena abre o filme e é a oportunidade perfeita para colocar o espectador dentro do ritmo do filme. A sequência é tensa, divertida e mostra (logo de cara e mais uma vez) a qualidade acima da média do trabalho de Krasinski por trás das câmeras.
Suas cenas são claras e limpas, existe uma vontade enorme de buscar alguns planos mais longos e a tensão de suas composições criam um suspense poderoso e eficaz. Um diretor que em seu terceiro filme parece ter a experiência estética e prática de uma dezena de produções. Sua segurança na hora de apontar a câmera para a ação é tão forte quanto a qualidade de sua história.
Existe um objetivo estético no roteiro de Krasinski que corre pelo filme inteiro. A ideia de paralelismo dentro de sua trama. Cada um dos filhos é a estrela de um desses lados da história. O menino com a mãe e o bebê lidando com a invasão de um alienígena no lugar onde estão e a menina tentando usar a descoberta da mãe no primeiro filme, como uma possibilidade de salvar a todos.
Mas o espetáculo dessa Parte II está com Regan, que parte para conhecer o mundo e leva com ela as sequências mais tensas, as possibilidades de cenas mais divertidas e ainda a presença incrível de Emmett, vivido por Cillian Murphy e que é um exemplo perfeito de como construir um personagem.
Emmett surge sutilmente no flashback, mas é no resto da história que atravessa uma transformação emocional, delicada e violenta. A amargura de seu personagem e a dor de suas perdas precisam dar lugar à esperança e aquele homem vai deixando tudo isso para trás (inclusive visualmente, literalmente descartando sua roupa) e rumando para a única opção que tem: a de se tornar não só um sobrevivente, mas alguém que irá fazer a diferença dentro desse mundo destruído.
A força e a dinâmica de Emmett e Regan são a melhor coisa do filme, mas isso não impede Krasinski de usar isso para construir a tensão que corre junta entre as tramas paralelas. Em certo momento o filme chega a ter três linhas acontecendo ao mesmo tempo. A tensão é incrível, afundará os espectadores nas poltronas e sofás e colocará eles no mesmo ritmo catártico de cada uma dessas tentativas. Esse segundo Um Lugar Silencioso começa e acaba com a força dessas linhas lado a lado e o resultado é um filme firme em absolutamente todas suas intenções.
Já sobre o som, esse deveria ser um capítulo à parte a ser discutido. O desenho de som do filme continua impecável, principalmente, pois a narrativa continua valorizando o menor dos ruídos do jeito correto. A impressão de silêncio do filme é ainda mais clara nesse segundo filme, já que o filme tem uma trilha sonora muito menos presente que no primeiro (o que talvez fosse o único escorregão do primeiro). Essa Parte II usa a trilha sonora com ainda mais inteligência dentro das possibilidades do filme.
A cereja do bolo continua sendo o silêncio do “ponto de vista” de Regan e seu problema auditivo. Assumir a surdez da personagem continua sendo desesperador e Krasinski usa isso ainda melhor do que no primeiro filme, tanto por percepção, quanto pelo óbvio dinheiro no caixa, que triplicou e lhe possibilitou fazer um filme ainda maior e mais impressionante.
Um Lugar Silencioso: Parte II não tenta repetir a fórmula do primeiro, cresce e conta uma história ainda mais emocionante sobre coragem e esperança. O resultado é um filme ainda melhor, assim como, desde já um dos destaques do ano, seja dentro ou fora do gênero.
“A Quiet Place Part II” (EUA, 2020); escrito e dirigido por John Krasinski; com Emily Blunt, Millicent Simonds, Cillian Murphy, John Krasinzki, Noa Jupe, Scoot McNairy e Djimon Hounsou