As primeiras cenas de Um Porto Seguro são tensas. Descobrimos o motivo pelo qual um jovem estudante vira fugitivo após invadir a casa de um homem e no meio de uma briga matá-lo. Quinze anos se passam e a história continua boa, puxando as linhas do passado em um presente cínico e sem esperança.
Com certeza o diretor Li Xiaofeng é fã de um cinema noir. O tema musical é uma ode aos velhos tempos desse gênero que volta toda década. Fora o quanto o clima de desesperança de Um Porto Seguro cai muito bem. A estética do filme é muito próxima da atmosfera que lembra o gênero, mas os temas são distintos. O que evoca esse tom é de fato a falta de caráter de sua cidade-natal, de sua família e até de sua ex-colega de escola. Um intenso exercício sobre culpa, destino e justiça.
Ainda assim, o filme é capaz de trazer um pouco de humor incidental quando o fugitivo se vê comparado a um tarado seguindo uma jovem de escola e um ser humano marginalizado ao se desviar das tentativas de sedução da “femme fatale” do longa. São apenas nesses momentos pontuais que respiramos. Aliás, a atriz veterana Jia Song está arrebentando em seu papel. Note como ela constrói o clima em volta do personagem de Yu Zhang como se fosse um fim de feira na cena de um bar, mas de repente ela se torna o evento, mesmo que cante muito mal.
Porém, quase nada são flores neste filme, que evoca seu clima pesado não apenas pelos seus personagens com tendências mafiosas, mas também através da solidão visual dos belíssimos enquadramentos de Li Xiaofeng, que mostra a vila onde aconteceu o trágico evento despedaçada por uma empreiteira, restando apenas uma casa, e da fotografia, com tons escuros e acizentados em uma cidade portuária que se recusa a mostrar um raio de sol que seja.
Um Porto Seguro é cinema bem-feito, com competência e segurança.
“Feng Ping Lang Jing” (Chi, 2020), dirigido por Xiaofeng Li, com Yu Zhang, Jia Song e Yanhui Wang.