Uma Temporada na França é um filme que você provavelmente já viu, mas de outras formas mais pesadas. Isso porque o tema de refugiados pode revelar situações muito dramáticas, além de ser fonte principal de inspiração hoje em dia no cinema da Europa. O diretor e roteirista Mahamat-Saleh Haroun tenta, então, tornar esse tema fácil de assistir, palatável até para a família. O resultado é uma fábula com resultados mistos.
Seu protagonista Abbas Mahadjir é uma criatura complexa que vai demonstrando sua força poética aos poucos. Refugiado a 19 meses com um filho e uma filha, tendo sua esposa morrido durante a viagem, o viúvo recente que precisa reconstruir a vida (e a de seus filho) em terra estrangeira é construído pelo ator Eriq Ebouaney em pequenos detalhes. Primeiro sua dificuldade em se comunicar com sua namorada a tempestade de emoções pela qual ainda está passando. Ou sua maneira de guardar sua frustração em movimentos discretos de cabeça baixa e um silêncio perturbador. Ou até quando ele desconta pontualmente sua raiva, chutando aleatoriamente algo na rua, contra os revezes que impedem que ele conclua o que ele começou ao lado de sua mulher.
Do outro lado da equação temos uma autêntica Sandrine Bonnaire, que com sua polonesa Carole Blaszak não apenas legitimiza a causa refugiada, lembrando que leis de imigração já foram um empecilho para salvar vidas no passado não tão distante da Segunda Guerra, como com sua simplicidade tenta nos remeter, assim como Ebouaney, para a vida real, onde a maioria das pessoas são simples e esperam apenas ser deixadas em paz para trabalhar e seguir com suas vidas.
E como estamos falando de diferença de gerações, a pequena Aalayna Lys é uma revelação como Asma, que consegue harmonizar através da simplicidade e naturalidade a esperança e tristeza em sua expressão. Percebemos quando Asma está preocupada com o destino de seu pai, mas também podemos ver o quão genuíno é seu sorriso quando ela está vivendo um raro momento feliz de sua conturbada vida. E por fim temos seu irmão, o introvertido Yacine (Ibrahim Burama Darboe), cuja performance não temos muito como analisar, pois o rapaz aparece quase todo momento de costas ou escondido por sua jaqueta, e que talvez por isso funcione tão bem.
Exceto, é claro, quando ele precisa dizer alguma frase maniqueísta de Mahamat-Saleh, como “um pai de verdade teria documentos”. O roteiro de Saleh tem muitos bons momentos, que são bons porque são naturais da história. As maiores falhas ficam por conta da tentativa de transformar tudo aquilo em uma fábula e elevar seus personagens à categoria de ícones dos tempos atuais.
Há um misto disso, por exemplo, na cena onde Ebouaney e Bonnaire estão aguardando o resultado de um órgão burocrático que permite ou nega a estadia de estrangeiros no país. Aquele amontoado de pessoas se espremendo para esperar sua vez de olhar a lista gera um dos enquadramentos que praticamente resume a situação do personagem de Ebouaney e de muitos outros personagens da vida real. O momento em que vemos que uma chinesa foi aprovada e ela começa a cantar e dançar é o tom fabulesco que o diretor adota para si, e com isso perde o peso de sua história. Ou, o resumo perfeito deste problema no filme, quando pai e filhos fazem uma pequena guerra de travesseiros, e penas de ganso voam por toda a sala. Isso aparece bem em uma story board, mas soa cafona e clichê demais para ser levado a sério.
Já como diretor Mahamat-Saleh se sai muito melhor, apostando em longas tomadas estáticas que apenas mostram a interação de seus personagens lado a lado, como a festa de aniversário de Carole. E de outra forma ele não se priva de mover sua câmera quando é necessário, como na sequência dos sonhos de Abbas, que enxerga sua mulher se afastando pelo corredor. E não podemos esquecer das tomadas externas de uma França periférica que aparece banhada por um sol de esperança e com ruas praticamente inabitadas. Sinal da hipocrisia dos que criticam a vinda de estrangeiros como se houvesse algum tipo de saturação populacional no continente que menos cresce no mundo.
Uma Temporada na França, como havia falado, é um resultado misto. Como filme-família ele se dá bem em suavizar até onde é permitido o tema da imigração de refugiados. Mas como um filme mais sério ele peca justamente por isso. Resta ao espectador entender este é um trabalho digno de nota por um lado ou pelo outro, ou se um acaba atrapalhando o outro.
“Une saison en France” (França, 2017), escrito e dirigido por Mahamat-Saleh Haroun, com Eriq Ebouaney, Sandrine Bonnaire, Aalayna Lys.