Velvet Buzzsaw | Sem morte, sem arte


[dropcap]D[/dropcap]e todas as mudanças que a popularização dos serviços de streaming irão trazer para o cinema, talvez a mais relevante seja a ideia de estreia. Velvet Buzzsaw tinha tudo para se tornar uma “grande estreia da semana”, mas na Netflix, parece ficar por lá parado, em uma mistura de anonimato e letargia esperando por seu clique.

O filme tem um elenco cheio de caras conhecidas e é assinado pelo mesmo Dan Gilroy que anos atrás dirigiu O Abutre, portanto, um passado próximo que deixaria o pôster bem chamativo e levaria muita gente para os cinemas. Talvez isso aconteça também na Netflix, o problema por lá é que é muito mais fácil apertar o “stop” e esquecer o filme do que levantar do cinema e ir embora. E é isso que irá acontecer.

Velvet Buzzsaw não sabe direito o que quer, começa com a pretensão de um filme que irá esmiuçar o vazio do circuito de arte moderna e, sem muito aviso, se torna um filmezinho “B” de terror que parece querer aproveitar a moda slashers de algumas décadas atrás. Falta então uma cola que una esses dois momentos de modo mais firme.

No filme, Jake Gylehaal vive Morf, um crítico de arte que carrega nas costas todos os estereótipos possíveis que seu personagem poderia ter, mas talvez não seja ele o protagonista. Talvez ninguém seja o protagonista e isso poderia ser divertido e daria um jeitão meio Robert Altman para todo mosaico de personagens. E é isso que acontece por um tempo.

Rene Russo vive Rhodora, uma ex-punk que agora é uma gigantesca empresária do mundo das artes, Toni Colette uma funcionária de um museu com ambições de talvez ser uma “nova Rhodora” e, por fim, Zawe Ashton um assistente da primeira que acaba dando de cara com um vizinho morto e uma coleção secreta de pinturas que o tornam um sucesso instantâneo… ao mesmo tempo que começa a matar todo mundo.

Sim, é difícil encaixar essa última parte no resto da sinopse e essa mesma estranheza toma conta do filme quando, de uma hora para outra, o filme se torna um terror sobrenatural que, nas mãos de uma cara mais experiente e maluco que Gilroy, pudesse até se tornar uma viagem doida, mas aqui só soa forçado e descolado da realidade. Não há suspensão de descrença que consiga salvar o espectador dessa estranheza.

Isso acontece, principalmente, pois o começo promissor aperta todos os botões certos para se tornar uma crítica ferrenha ao vazio do cenário de arte contemporânea e seus artistas perdidos entre o significado, o dinheiro e a fama. The Square fez isso perfeitamente bem ano passado e era exatamente isso que Velvet Buzzsaw tinha grandes chances de se tornar, caso algumas obras de arte não ganhassem vida para sair matando as pessoas por ai.

Em meio a esse massacre, talvez Gilroy ainda faça um esforço enorme para rabiscar aquela crítica, mas isso passa despercebido diante das mortes relativamente criativas. David Lynch talvez te fizesse entender mais facilmente que nenhuma obra de arte possa ser diminuída ou ela irá voltar para te matar. Nicolas Winding Refn muito provavelmente te pegaria na mão e levaria para um passeio onde a Luxuria é um pecado vingado pela maldição dos próprios objetivos de sua obsessão. Mas Gilroy só acompanha essa história e observa seu filme se transformar e deixar de lado tudo aquilo que ele construiu em um primeiro momento.

Pior ainda, Gilroy parece tão focado em fazer esse filme que “muda de gênero”, que nem percebe o quanto perde tempo, por exemplo, tentando entender a razão daquela maldição, mas tão jogado por seus personagens que não consegue em nenhum momento chegar a uma conclusão.

Gilroy tenta fugir do comum com um filme que aponta seus pinceis para lugares demais e não consegue criar uma obra que realmente represente aquilo que ele quer passar. Uma grande bagunça de referências que tem todas as características para ser apenas uma daquelas grandes estreias perdidas na lista da Netflix.


“Velvet Buzzsaw” (EUA, 2019), escrito e dirigido por Dan Gilroy, com Jake Gyllenhaal, Rene Russo, Zawe Ashton, Tom Sturridge, Toni Collette, Natalia Dyer, Daveed Diggs e John Malkovich.

Trailer do filme – Velvet Buzzsaw

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