Uma das coisas mais divertidas de qualquer gênero é ser surpreendido. Vem com o Papai vai com certeza te surpreender. Portanto, o melhor jeito de ver o novo filme estrelado por Elijah Wood é sem saber absolutamente nada a respeito dele. Uma opção que vai fazer com que as próximas linhas se tornem ainda mais complicadas de serem feitas.
O mínimo que se pode dizer do longa de estreia de Ant Timpson é que ele acompanha Norval Greenwood (Wood), um cara com jeitão de moderno, artista, DJ e com um celular de ouro criado pela Lorde. Depois de algumas décadas de abandono paterno, ele então vai ao seu reencontro. O que ele encontra é um velho agressivo, folgado, bêbado e morando em uma excêntrica casa à beira mar e que mais parece um disco voador.
Acredite, tudo quem vem depois disso é surpreendente. O roteiro escrito por Toby Harvard esconde extremamente bem suas melhores qualidades, o que temos é um começo misterioso que, enquanto vai apresentando esses personagens, vai criando uma dinâmica que parece impossível de funcionar. Praticamente um terror psicológico onde Norval precisa “descobrir” quem é o pai e ainda sobreviver a esse relacionamento.
É lógico que o filme tem uma espécie de foco dramático na busca desse cara pelo pai e no quanto isso pode ser decepcionante e perigoso. Mas é algo que ele deve passar para seguir adiante e entender quem ele realmente é. Suas origens e seu lugar nesse mundo. Toda essa sensibilidade descamba para um lugar bem inusitado, mas nunca foge dessa responsabilidade.
Timpson é hábil com sua câmera, suas composições são claras e eficientes, o clima de seu filme é realmente poderoso e incômodo, nada parece estar no lugar que deveria estar, como uma grande mentira que está sendo representada por todos personagens. E segurar por tanto tempo esse clima de mistério, sem dizer a que veio, faz de Vem com o Papai uma daqueles experiências eficientes e divertidas para quem gosta de (e aqui vai um pequeno spoiler!) um bom terror.
Seguindo o ritmo dos spoilers, mas ainda tentando manter os “segredos” do filme, o que se precisa dizer é que Timpson é tão eficiente no suspense, quanto em um slasher que dura alguns segundos e, por fim, em uma espécie de “torture porn” (ou “splatter”) que irá fazer muita gente se arrepiar com certos golpes e “exposições”.
Mas a surpresa de Vem com o Papai não está apenas na mudança de gênero, mas sim em uma reviravolta dramática que sustenta uma escalada insana e que não tem medo de conviver com um exagero bem humorado que vai compor perfeitamente o clima de maluquice do filme. Todo tom do filme parece ter uma esquisitice que permite que o caminho de Norval chegue em um lugar bem inusitado.
O roteiro de Toby Harvard nunca empurra essas reviravoltas como a estrela de sua história. Por mais que sejam, elas são uma evolução construída com ótimos diálogos, personagens complexos e uma impressão de que você conhece muito bem todos envolvidos nessa trama sem precisar de longos diálogos expositivos, mas apenas de pontuações inteligentes e ágeis.
Quem aproveita muito bem tudo isso é, principalmente, Elijah Wood e seu “novo pai” Stephen McHattie. O embate psicológico dos dois é divertido e tenso, com McHattie realmente construindo alguém que você odiaria descobrir ser seu pai. Isso enquanto Wood se segura na fragilidade desse personagem pego no meio dessa confusão. Por mais que seu Norval “cresça”, nunca deixa de ser aquele cara meio inocente que estava em busca do pai e descobriu que consegue não poupar esforços para que isso aconteça.
E se foi difícil chegar até aqui sem quase spoilers, é porque, para os amantes de um terror divertido e inesperado Vem com o Papai é um daqueles filmes imperdíveis e que irão te surpreender. Daqueles que misturam sentimentos universais como Shakespeare, Beyoncé, uma convenção de geólogos, uma “besta de fogo”, um corcunda, um garfo de cozinha e a nossa eterna busca pela aceitação de nossos pais.
“Come to Daddy” (Irl/Can/NZL/ EUA, 2019); escrito por Ant Timpson e Toby Harvard; dirigido por Ant timpson; com Elijah Wood, Stephen McHattie, Garfield Wilson, Madeleine Sami, Martin Donovan, Michael Smiley e Siomn Chin