Vênus tem duas razões para qualquer fã de terror se interessar em ver, mesmo tendo cara de filme que chegou sem querer no seu serviço de streaming (nesse caso, HBO Max): Jaume Belaguero, na direção e Álex de la Iglesia na produção. Entretanto, os fãs de terror já deve conhecer esses nomes (deveriam, pelo menos), então é só “dar o play”.
Belaguero talvez tenha assinado um dos melhores filmes de terror do século 21, lá em 2007 com seu [REC], que definiu uma geração inteira de cópias ruins com uma câmera na mão e pouca criatividade. Já de la Iglesia lá em 1995 lançou O Dia da Besta e se tornou uma referência para o cinema espanhol (principalmente para o gênero e para os fãs de terror), depois de mais de uma dezena de filmes assinados por ele e com sua série 30 Moedas chegando à HBO já em sua segunda temporada.
Mesmo sendo apenas um nome entre os créditos de produção, Vênus parece ter mais de de la Iglesia do que de [REC], e isso é um elogio enorme. Até porque, Belaguero se mantém preciso com sua câmera e direto em seu ritmo, o que faz de Vênus uma diversão completa para qualquer fãs dos dois.
O roteiro é escrito pelo próprio diretor em parceria com Fernando Navarro e segue aquela estrutura de pessoas “normais” que acabam dando de cara com uma situação sobrenatural que extrapola suas concepções de realidade. No caso, o filme dá a dica logo de cara, já que começa o filme apontando a presença misteriosa de um planeta esquisitão que está se aproximando da Terra, criará um eclipse e… bom, deixará Lamaasthu reinar.
“Ligando o nome à pessoa”, Lamaasthu, talvez seja uma referência a “Lamashtu”, uma Deusa da Mesopotâmia que ameaça mulheres durante o parto e depois rouba suas crianças durante a amamentação… e roe seus ossos enquanto suga seus sangues. A título de curiosidade, para impedir que Lamashtu roube as crianças, era invocado, justamente o famoso (e famigerado) Pazuzu (que todo fã de terror deve reconhecer de nome).
A Lamaasthu de Vênus é um pouco diferente, mas a intenção é a mesma, um troço meio vindo de alguma outra dimensão que trará dor e morte para o Planeta Terra. No meio disso se encontra Lucía (Ester Expósito) e sua sobrinha (Inés Fernández). A primeira, uma jovem que dança na balada de um traficante de Madri e que resolve roubar um carregamento inteiro de ecstasy e acaba tendo que pedir ajuda para sua irmã (Angela Cremonte), que some logo em seguida e deixa as duas sozinhas nesse prédio sinistro que batiza o filme.
Sinistro, já que o filme apresenta ele como meio abandonado e com mãe e filha sendo atazanadas por barulhos do apartamento abandonado no andar superior e um monte de pesadelos. É lógico que o traficante então manda um monte de capangas atrás de Lucía. É mais óbvio ainda que as duas terão também que lidar com uma ameaça sobrenatural que quer alguma coisa com a sobrinha, Alba.
Com o clima definitivamente construído é só esperar por uma mistura de suspense, terror, canibalismo, bruxaria, crianças sacrificadas, demônios, padres esquisitos com tentáculos saindo de suas batinas, a “Criada”, seitas, rituais, profanidades, gore e, é claro, um exagero absolutamente bem-vindo para os fãs de terror.
Parece um pouco demais, mas é ai que está a referência à de la Iglesia, fã desse tipo de mistura maluca, violenta e cheia de referências e terror. Belaguero dá conta do recado e cumpre tudo que é prometido na hora do terror. O gore é explosivo, o clima é esquisito, meio herético e nunca permite que suas opções visuais sejam comuns. A Criada, por exemplo, não se permite nunca ser “normatizada”, são sempre pequenos lances que constroem uma criatura digna do terror que os espectadores querem (e ganham).
E nada disso é acelerado, tudo vai ficando esquisito aos poucos até o final arrebatador e que não guarda sangue, miolos, pessimismo e a sensação de que tudo não deu tão certo assim. Sem uma lição de moral que apazígua toda doideira de Vênus. Como se soubesse que levar a sério demais suas soluções pudesse prejudicar a sua intenção inicial: o exagero.
É esse exagero que liga de la Iglesia, Belaguero e os fãs de terror. É isso que faz de Vênus uma opção imperdível que chega tímido ao streaming, mas é perfeito para quem quer um terror que se diverte sendo ele mesmo e não se importando para o que o resto do gênero quer ser.
“Venus” (Esp, 2022); escrito por Jaume Balagueró e Fernando Navarro; dirigido por Jaume Balagueró; com Ester Expósito, Inés Fernández, Ángela Cremonte, Magüi Mira, Frederico Aguado, Francisco Boira, Fernando Valdivielso, Aten Soria, Marís José Sarrate e Sofía Reyes.
SINOPSE – Uma dançarina que rouba um carregamento de drogas de seu chefe foge para a casa de sua irmã, mas acaba descobrindo uma trama ainda mais perigosa e misteriosa.