Se eu te dissesse que vou te contar uma história incrível, que fez até que eu desistisse de um outro projeto na minha vida apenas para contá-la, você provavelmente criaria expectativas absurdas antes mesmo de eu começar a falar. Da mesma forma, a expectativa gerada no começo de A Vida Privada dos Hipopótamos apenas consegue fazer que você não saia muito satisfeito no final.
O filme tenta soar como um documentário (falso ou não) com uma narrativa ficcional a respeito do americano Christopher Kirk, preso em São Paulo depois de fatos rotulados no início como “inacreditáveis”. Os diretores Maíra Bühler e Matias Mariani já haviam feito Ela Sonhou que Eu Morri, que tenta explorar o mundo dos presos estrangeiros. Esse novo projeto seguiria na mesma linha, mas por terem descoberto Chris, ele se tornou o protagonista absoluto do filme e de sua história.
Será, mesmo? Girando 89% em torno da garota que conheceu na Colômbia, “V” (cujo nome nem a fisionomia conhecemos), o que move a história é a curiosidade cada vez maior de Chris a respeito dela, que vira sua namorada à distância e mantém uma rotina aparentemente promíscua, criminosa, ou ambos. Em paralelo, sabemos que o rapaz adora ler sobre golpes e golpistas, tendo uma biblioteca especializada no assunto (que de acordo com ele contém toda a bibliografia sobre o assunto). Sua profissão pacata na área da computação em Seattle (que contém o conhecido Vale do Silício) e o testemunho de amigos e do próprio Chris levam a crer que sua vida e rotina eram insuficientes para sua alma agitada. “V” nesse sentido parece aos poucos se tornar a companheira perfeita para ele. Imprevisível e cheia de segredos, ela aos poucos popula o imaginário de Chris ao mesmo tempo em que suas mentiras o vão consumindo aos poucos. Teria ela ligação com trágico de drogas, ou seria uma prostituta discreta e cosmopolita? Ou, como vamos aprendendo, seria “V” de fato real? Qual o outro testemunho que temos disponível senão a do próprio Chris?
Apesar de ser difícil associar as comparações esdrúxulas do filme, que brinca com a persona de Chris como um Pinóquio incorporado ou com um instinto de Hipopótamo – parecendo mais uma tentativa de soar diferente pelo mérito de soar diferente – a criatividade na narrativa ao menos alcança uma nítida vantagem entre os documentários: novas formas de contar uma história que você já viu antes. Se considerarmos que toda a narrativa parte unicamente do conteúdo do disco do computador de Chris quando este vivia em um albergue/hotel, agora em posse dos diretores do filme, podemos dizer que de documentário ganhamos apenas a metade. São as investigações desse único conteúdo que desenham um mosaico instigante e fascinante por quase todo o percurso da descoberta de quem era “V”. Recortes de vídeos, fotos e até poesias preenchem o espaço de outros pontos de vista, criando uma espécie de “mockumentary” incidental, pois a partir de um momento já não é possível mais associar o que ocorre com realidade, quase como o arcabouço de mentirar de Matt Damon em O Desinformante!, mas nem próximo do disparate que ocorre no terceiro ato do, esse sim, inacreditável, Saida Pela Loja de Souvenirs.
Enfim: a questão que o filme coloca (ou não, isso não fica claro, e é um ponto fraco do filme) é se tudo aquilo faz parte de uma elaborada construção de uma realidade paralela para que ele conseguisse levar o seu plano de ser um traficante adiante. O fato de nem o filme discutir isso e apenas jogar os “fatos” em um formato ficional não é o suficiente. Porém, a forma como essa história é montada pelos pesquisadores é inacreditável. Pena que não se pode dizer o mesmo da história por trás.
“idem” (Bra, 2014) escrito e dirigido por Maíra BUhler e Matia Mariani