O que seria de Vitória sem Fernanda Montenegro? Talvez com uma outra atriz qualquer vivendo essa personagem a história aparecesse mais, o que não seria tão bom assim para o filme. Mas Fernanda Montenegro está lá, então o melhor a fazer é aproveitar isso!
A gente também não sabe se esse seria o mesmo resultado nas mãos do diretor original, Breno Silveira, aquele mesmo de 2 Filhos de Francisco, que faleceu ainda no comecinho das filmagens. Andrucha Waddington herdou o filme, mas entre os dois há uma diferença enorme de estilo e objetivo. Silveira era mais barroco e emocional, valorizava melhor as nuances e melodramas de suas histórias. Waddington é frio, objetivo e firme, além de genro da atriz principal, o que talvez seja uma combinação que ajude o filme.
Waddington percebe muito rapidamente em sua história herdada que Fernanda Montenegro é muito maior do que aquela trama e faz a melhor coisa para o filme: entrega ele para ela. Sua câmera não é só apaixonado pela sogra, mas também entende a importância de dar esse presente para seus espectadores. Afinal, é um prazer enorme para um fã de cinema ficar essas quase duas horas olhando para Fernanda Montenegro atuar. Isso faz de Vitória obrigatório.
A história ficou famosa no Rio de Janeiro e no Brasil, da senhora de Copacabana que não tinha sossego morando cara a cara com um morro e mais precisamente com o que parecia ser o “quartel-general” de um traficante, bem de frente para sua janela. Entre balas perdidas e o descaso da polícia, Dona Nina (Montenegro) resolve então começar a filmar toda ação dos criminosos pela sua janela, o que, mais tarde, resulta em uma investigação enorme e a prisão de vários traficantes e até de policiais.

Nina, nome fictício de Joana da Paz, entra então para o Serviço de Proteção a Testemunhas enquanto sua história é contada pelo jornalista que no filme é vivido por Alan Rocha. Dona Joana, a verdadeira, faleceu em 2023 já durante as filmagens de Vitória, ainda anônima dentro do Serviço. Para o filme, talvez isso tenha aberto caminho para uma visão mais livre da personagem e de suas relações prévias e solitárias, além de mais espaço para Fernanda Montenegro criar essa personagem incrível e que serve perfeitamente como homenagem a essa mulher incrível da vida real.
E o filme é sobre ela. Sua trama nem tem tantas questões a serem discutidas e delimitadas, então o roteiro claramente se diverte nas partes onde tomas as liberdades criativas para construir o cenário perfeito para Fernanda Montenegro ser incrível. Sozinha em cena com uma xícara ela é incrível. Acompanhada, esculhambando os vizinhos ela é perfeita. Com Linn da Quebrada, as duas formam uma dupla apaixonante. Desesperada em monólogos silenciosos e doloridos, ela é descomunal. Diante do perigo, é como se estivéssemos com ela. Vitória poderia ser bom, mas com Fernando Montenegro é uma experiência única e uma oportunidade imperdível de vê-la na tela em um esforço emocional para criar essa personagem.
Waddington pode não ser o mais inspiradores dos diretores do cinema brasileiro, mas é prático e eficiente. Enxerga isso tudo e faz de Vitória esse quase estudo de personagem onde os detalhes da trama podem até ser importantes, mas não se permitem nunca ser a empolgação para levar a trama a lugar algum. Um minuto de Fernanda Montenegro e Linn da Quebrada dançando em um bingo valem muito mais do que uma reviravolta qualquer com a Polícia Civil. Uma inesperada visita da Dona Nina ao traficante poderia ser um evento, mas é como ela se comporta que vale a surpresa.
É lógico que o terço final do filme é cheio de cortes e acontecimentos paralelos, acelerando a trama, mas Dona Nina surge contrapondo esse ritmo de modo tão delicado e apaixonante, com os gestos em seu tempo e os passos cansados da personagem que é como se você acreditasse que tudo ali vai dar certo, ignorando até a previsibilidade de uma história que muitos já conhecem o final. A Dona Nina de Fernanda Montenegro faz com Vitória seja mais do que um filme baseado em uma história real, faz com que ele seja verdadeiro de um modo que só uma atuação como a dela consegue fazer.
A gente não sabe o que seria de Vitória sem Fernanda Montenegro e com outra atriz no papel, mas a gente sabe o que Vitória é com a atriz no papel central, e essa oportunidade de presenciarmos isso não deveria ser perdida por nenhum fã de cinema.
“Vitória” (Bra, 2025); escrito por Paula Fiuza e Fábio Gusmão; dirigido por Andrucha Waddington; com Fernanda Montenegro, Linn da Quebrada e Alan Rocha.