O primeiro passo para o futuro da Marvel nos cinemas não veio dos cinemas, mas sim de suas séries no serviço de streaming da Disney. Sobra então para Viúva Negra a possibilidade de ser um filme solto dentro de toda essa “mitologia”. O resultado disso é um filme centrado, divertido, movimentado, elegante e que faz jus à personagem título, afinal, a maior espiã do MCU merece um filme do 007 só para ela.
Em termos de posição dentro da “timeline” da Marvel, Viúva Negra está em algum lugar entre o final de Capitão América: Guerra Civil e sua cena pós créditos. Mas o filme vai além disso. A história escrita por Eric Pearson, Jac Schaeffer e Ned Benson começa contando um pouco da infância da ainda menina Natasha Romanoff e de sua família em Ohio, bem no meio dos Estados Unidos.
A premissa é interessante e não perde tempo ao, sutilmente, ir deixando o espectador descobrir que há algo de “supereróico” naquela normalidade. Não só de uma família de espiões russos vivendo em solo americano, mas algo a mais. A direção de Cate Shortland transita bem da calmaria até a tensão antes de mergulhar em uma cena de ação de tirar o fôlego e mostrar que não está ali para fazer um filme sem personalidade.
É lógico que a questão de estar contando a história de uma personagem a qual todos já sabem o destino poderia tirar um pouco da sensação de perigo que ajuda todo personagem de filme de ação. Mas do mesmo jeito que ninguém acha que James Bond irá morrer enfrentando um vilão de seus filmes, a vingadora também não terá esse problema. O resultado são cenas de ação gigantes e que não se importam com a necessidade de uma âncora muito realista. O objetivo é ser grande, ágil e divertido.
A elegância vem do trabalho de preparação da diretora, que nunca deixa com que o filme simplesmente cai dentro de uma grande sequência sem sentido. O que precede a ação é sempre certeiro, divertido e cheio de vida. Shortland e o trio de roteiristas pode até estar preocupado com as grandes cenas de ação, mas também miram suas armas para um filme sobre família. Um filme que tenta entender o quanto disfuncional seria uma família de superespiões e super-heróis. E ainda soviéticos e nada americanos.
A dinâmica entre as irmãs carrega o filme com firmeza. Scarlett Johansson, mais à vontade do que nunca no papel, encaixa perfeitamente bem com a revolta meio pessimista de Yelena Belova (Florence Pugh), uma outra Viúva Negra, mas com menos vontade de se tornar uma super-heroína americana que gosta de cair naquela posição heroica clássica. A química entre as duas é perfeita e ambas cumprem tudo esperado em termos de suas presenças enquanto descem o cacete em todos que estão ao seu redor.
Rachel Weiz tem pouco espaço para desenvolver sua personagem, mas funciona. Talvez só não tão bem quanto David Harbour, antes Guardião Vermelho, mas algumas décadas depois de seus dias de protetor da Rússia, agora um ex-presidiário cheio de tatuagens e histórias de seus tempos mais áureos. Mesmo sem fugir do estereótipo, o personagem é um vislumbre divertido de um uma espécie de “Capitão América” soviético e que não cabe mais tão bem dentro do uniforme.
O quarteto não passa tanto tempo junto, na verdade apenas em uma única cena de jantar onde podem “ser mais uma vez uma família”, mas a dinâmica entre suas presenças está lá durante o filme inteiro. Isso e uma trama que acerta na simplicidade e não foge do vilão mau que quer dominar o mundo ao melhor jeito Hugo Drax ou qualquer outro vilão doido do 007.
Mas a estrela de Viúva Negra são suas cenas de ação. A perseguição por Praga poderia estar em qualquer filme do espião inglês, ou melhor, muito provavelmente entraria para as lembranças até dos fãs mais chatos. A sequência nessa espécie de Gulag tem de tudo, desde uma apresentação do personagem até a demonstração de seus poderes, falhas (divertidas), muita pancadaria, um helicóptero, pose de super-herói e até uma avalanche. Tudo dentro de um ritmo ágil, um visual claro e uma força enorme.
Tudo bem, muita gente poderá achar que a sequência final dá até uma exagerada, mas ninguém nunca prometeu que a ideia era ser realista. A intensidade, as ótimas coreografias das lutas e o modo como a sequência se constrói da calmaria até o mais extremo caos, tudo enquanto ainda desenvolve a personalidade do vilão e até conta a história de um outro adversário te deixa sem fôlego só de contar.
Um grande filme de espionagem ao estilo 007 merece esse tipo de cuidado, grandiosidade, mentira e bons personagens. Tudo isso faz parte da diversão e agora a maior espião do Universo Marvel tem um filme que faz jus a sua importância.
“Black Widow” (EUA, 2021); escrito por Eric Pearson, Jac Schaefer e Ned Benson; dirigido por Cate Shorlad; com Scarlett Johansson, Florence Pugh, Rachel Weisz, David Harbour, Ray Winstone, Ever Anderson, Violet McGraw, Olga Kurylenko e O-T Fagbenle