*o filme faz parte da cobertura da 43° Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
[dropcap]V[/dropcap]ivir Ilesos começa deixando claro, talvez até demais, que é um filme de baixo orçamento. Ele se aproveita de um elenco medíocre para fazer referência a filmes policiais B dos anos 70. Por que ele faz isso? Porque o resultado é risível.
E isso é importante porque a história escrita pelo diretor Manuel Siles é muito absurda, e ele precisa que abracemos esse nonsense desde o começo. Um casal de golpistas (Magaly Solier e Oscar Ludeña) é pego por um milionário inescrupuloso (Renato Gianoli) que sequestra a mulher e a toma como amante. O marido se recompõe e tenta descobrir seu paradeiro. Enquanto isso a força policial, representada por um delegado saído de alguma ditadura militar (Javier Trujillo), lentamente avança sua investigação.
O filme é escrachado por usar atores de segunda categoria e tomadas com detalhes que você fica se perguntando por que foram filmadas. Alguém consegue o número de telefone e vemos o bilhete onde ele está escrito. Alguém olha para um prédio e vemos sua fachada. Algumas cenas não fazem muito sentido, como uma arma que dispara na piscina com uma reviravolta inverossímil no final (apesar de ser um dos melhores momentos). O filme quer de todas as formas evocar a fantasia e a metáfora por trás da história.
Isso porque (pra variar!) esta é uma crítica social. Fala sobre a impunidade dos mais ricos e poderosos… e blá blá blá. Mas sobre isso você já deve saber, já que 12 em 10 filmes independentes falam sobre isso. O engraçado aqui é o casal de golpistas ter princípios morais cuja consequência é rejeitar trabalhar para viver, o que também é um clichê, mas aqui ganha uma certa comicidade por conta deles próprios se tornarem vítimas de uma versão mais sênior de si mesmos.
E esse detalhe cumpre dupla função, já que até aquele momento no longa os ladrões de galinha do filme ainda não ganharam nossa empatia, mas agora, assumindo papéis sociais, ou pelo menos admitindo uma certa moral, por mais torta que seja, se tornam os heróis anônimos de uma sociedade corrompida, indo cair nos braços de quem acredita que isso se chame luta pela justiça.
Apesar de tantos personagens criminosos, Vivir Ilesos é um filme leve, com a violência psicológica maior que a física e com um formato tão despretensioso que consegue até se tornar divertido ao mesmo tempo que faz pensar. Mas não pensar demais.
“Vivir Ilesos” (Per, 2019), escrito e dirigido por Manuel Siles, com Magaly Solier, Oscar Ludeña, Javier Trujillo e Renato Gianoli.