[dropcap]T[/dropcap]odo ano quando os Prêmios da Academia vão chegando perto de acontecer, a primeira das dúvidas é sempre “como é a votação do Oscar?”. E isso nem chega a ser uma surpresa, já que é realmente complicado de entender a imensa quantidade de detalhes envolvendo como se chega ao resultado final dos grandes vencedores da noite.
Mas vamos por partes. A primeira dela é descobrir o que realmente é o Oscar. Tudo bem, parece óbvio, mas não é. O Oscar ou “Academy Awards” é a festa de premiação comandada pela famosa Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood. Uma espécie de “clube” bem fechado, por mais que lembre um pouco aquela frase do Grouxo Marx, “não aceito entrar em um clube que me aceite como membro”.
De qualquer jeito, esses Prêmios da Academia surgiram em 1929 para celebrar o cinema e entregar, anualmente, essas homenagens a quem de melhor se destacou no cinema no período anterior à premiação. Hoje (e faz muito tempo), estamos falando do ano anterior, mas já existiu momentos onde se levava em conta mais de um ano.
Já para se tornar um membro dessa Academia é preciso ou ser indicado em uma das categorias do Oscar (e depois ser convidado), ou ter algum membro bancando sua entrada no “clube”.
Uma vez lá dentro, sair acaba sendo um pouco mais difícil. Mas realmente o que você deve saber é que todos esses membros tem o direito e a obrigação moral de votar todo ano no Oscar. É lógico que nem todos votam, mas ainda assim é difícil achar que aquelas pessoas não representam grande parte do cinema americano e uma parte importante do cinema mundial.
Mas o que interessa aqui é saber como esse monte de filmes lançados no ano acaba se tornando apenas um a levantar aquela estatueta do cavaleiro careca e dourado.
Como É a Votação do Oscar
Antes de qualquer coisa é importante enxergar o cenário mais amplo dessa votação. Primeiro de tudo, nem todo mundo vota em tudo, pelo menos não nas primeiras fases dessa votação. Com cada categoria tendo uma estrutura de votação diferente, o normal é que cada ramo de profissionais acabe escolhendo os finalistas de sua categoria e, mais tarde, eles sejam apreciados por todos.
Voltando um pouco atrás, é preciso entender o conceito de filme elegível. Para uma produção poder concorrer a uma vaga nas categorias é preciso que ela tenha mais de 40 minutos de duração (obviamente que no caso dos curtas isso não se aplica). Ainda entre os longas, ele precisa ter tido exibição pública e paga, dentro do circuito comercial e em Los Angeles. Sobre o tempo em cartaz, é preciso que ele fique sete dias no cinema, com pelos menos três exibições por dia e com uma sessão que deve acontecer entre 18h e 22h.Tudo isso dentro do período de um de janeiro e 31 de dezembro do ano anterior à premiação que tenta uma vaga.
Já para a Academia, a produção que se inscrever em uma categoria precisa entregar uma cópia do filme junto com a inscrição.
E é aí que começa a confusão.
Como Funciona a Votação do Oscar
A complicação começa logo na primeira fase, onde os profissionais de cada segmento escolhem uma lista de 10 indicações, em ordem de preferência, diante de uma lista geral organizada pela Academia.
Com todos esses votos devidamente computados e tabulados, começa a bagunça. Uma “bagunça” que até tem sua razão de existir, já que o mecanismo de definição dos cinco indicados pode parecer complicado, mas aparentemente funciona… pelo menos é isso que os especialistas apontam. Portanto, aproveite esse primeiro momento, porque o que vem depois é bem polêmico.
Nesse primeiro estágio, a primeira coisa que se faz é criar um “número mágico”. Mais precisamente o número de votos dividido pelo número de possíveis candidatos, mais um. Com esse número encontrado, a tabulação busca os filmes que que estiveram em primeiro lugar em mais listas, quando ele chega nesse “número mágico”, ele automaticamente se torna um indicado.
O segundo com mais “números um” então herda o excedente para então atingir o “número mágico”. E assim por diante.
Imagine que uma categoria tenha 482votos e a previsão é que sejam cinco vagas. Portanto, faça a conta 482 dividido por cinco, mais um. O resultado é 81, portanto, o indicado precisa ter 81 votos de “número um” para se tornar um indicado.
Mas imagine que um filme não atinja esse “número mágico”, a solução nesse momento é eliminar os filmes votados com menos “números um” e rearranjar seus pontos até que as vagas todas estejam preenchidas.
Quando um votado atinge o “número mágico”, ele automaticamente está na lista final. Se um segundo votado também atinge o número mágico, ele também consegue uma vaga. Agora imagine que, além desses, mais nenhum votado chegue nesse número.
Em um cenário de Melhor Ator, com os mesmos 482 votos na primeira tabulação, Brad Pitt tem 100 “números um” e Robert Pattinson 80 “números um”. Para equilibrar a votação, Pitt usará apenas os 81 votos necessários para se “classificar”, deixando que os excedentes 19 votos sejam herdados pelo segundo lugar, o que faria com que Pattinson atingisse o número mágico e ainda permitisse que o terceiro lugar ficasse com os 18 pontos sobrando.
O terceiro ator com mais “números um” é Adam Driver, com 60 lembranças, portanto, menos que o “número mágico” e baixo o suficiente para que os 18 pontos herdados não lhe permita chagar nesse número. Quando isso acontece, o votado com menos “números um” é tirado da corrida e seus pontos são colocados no mais votado naquele momento. Essa dinâmica continua até que cinco filmes sejam qualificados ou que só restem cinco filmes na disputa.
Toda essa dinâmica acontece com especialistas em cada categoria, com duas exceções: Filme Internacional, onde é criado um comitê e Melhor Filme (onde todos votam nesse primeiro momento).
A diferença desse comitê é, justamente, que os envolvidos nessa primeira escolha, outrora indicados nessa categoria escolhem sete indicados, deixando para esse grupo especializado a possibilidade de encaixar mais três produções na lista final. Já esses dez filmes são então reduzidos para cinco com o comitê escolhendo os indicados.
Já na “fase geral” que escolhe o vencedor, para se candidatar a votante da categoria de Melhor Filme Internacional é preciso provar que viu os cinco indicados. E isso se repete em algumas outras categorias específicas, como as envolvendo curtas-metragens e Melhor Documentário.
Nas outras categorias, basta só analisar os cinco indicados e coloca-los em ordem de preferência.
Ballot System e Votação do Oscar
Esqueça o “número mágico” por um segundo, mas não esqueça todo o sistema. Com os candidatos fixados, cada membro vota na sua lista de preferência e todos esses votos se transformam em uma grande planilha onde cada um dos indicados tem uma quantidade de “números um”, uma de “números dois” e assim sucessivamente.
A conta é fácil, se algum filme tiver 50% dos votos, então ele é vencedor. Mas acredite, quase nunca isso vai acontecer, então é preciso mergulhar de cabeça na bagunça. O próximo passo é eliminar os filmes que tenham menos “números um” em todas listas, isso faz então com que os filmes que eram “números dois” na lista dos eliminados se tornem “números um” e então a conta seja refeita. Complicado, a gente sabe, principalmente para aquele filme que tinha aberto as contagens em primeiro e agora já pode estar perdendo o posto.
Mas não se preocupe. Imagine que ainda assim não se chegue em 50% e aí seja necessário cortar novamente o filme com menos “números um”, consequentemente, fazendo com que os “números dois” dessas listas se tornem “números um”. Uma incrível receita para o desastre.
Em categorias com cinco indicados, pela lógica, esse troca-troca teria acabado aí na pior das hipóteses. Mas imagine na categoria de Melhor Filme, em um ano com dez indicações, não seria impossível chegar a um momento onde o quinto filme mais votado pela maioria se torne o ganhador do Oscar. E talvez isso não seja uma novidade para quem acompanha os Oscars.
Imagine que o Parasita tenha 1.500 votos, 1917 900, Era Uma Vez Em Hollywood 850, O Irlandês 750 e Ford vs. Ferrari 500. Para se consagrar vitorioso, o filme deve então ter 1935 votos (50%, mais um).
O próximo passo então é eliminar o filme com menos votos “número um”, nesse caso, Ford vs. Ferrari. Diante desse corte, todos filmes que estavam em “segundo lugar” nessas listas passam então a estar em primeiro. Imagine que são 301 votos de O Irlandês e 199 de Era Uma Vez Em Hollywood, o que faria então com que eles crescem para 1049 votos para Era Uma Vez Em Hollywood e 1051 para O Irlandês.
Isso quer dizer que, na próxima rodada de cortes, o filme que tinha o segundo maior número de “números um” será cortado. Se desses 900 votos, Parasita não estiver muito popular, terá então grandes chances de ser o próximo cortado e a estatueta de Melhor Filme ir parar nas mãos de alguém que tinha quase metade da preferência dos votantes.
Toda essa tabulação, cálculo e garantia de que isso faz sentido é feito pela Pricewater HouseCoopers, empresa gigante de auditoria e que deve garantir a qualidade de todos sistema.
Mas realmente não adianta, todo ano chegam os Oscars e todo mundo fica com dúvida de como funciona a votação do Oscar. O resultado dessa busca é quase sempre mais dúvidas e a impressão de que tem algo errado nesse meio de “números mágicos”, listas, membros, comitês, “ballot systems” e a possibilidade de um filme medíocre levar para casa aquela estatueta tão disputada por todos filmes.
E se isso acontecer, tudo bem, no final da cerimônia já está mesmo todo mundo pensando só na hora que isso vai acabar.