Woody Allen teve sua carreira homenageada pela Associação de Críticos Estrangeiros de Hollywood com o prêmio Cecil B. DeMille (no Globo de Ouro) e a ressaca da festa para muitos foi tentar entender como um cara que foi acusado de molestar a filha adotiva de sete anos e tempos depois casar com a outra (essa de 19 anos), pode ainda ser homenageado. Simples por que ele é um gênio em sua profissão.
E isso para mim não só é claro como me recorre a um frase dita diversas vezes por meu finado “sogrão”, Maurício Mamede: “Não confunda a beleza da obra com o imbecil do autor”. Allen vai continuar para sempre sendo um monstro (pelo menos aos meus olhos), mas quando está por trás de uma câmera será difícil que o resultado seja muito diferente de uma obra de arte. E sobre esse segundo momento que, em uma celebração do cinema, ele deve ser levado em conta.
Lógico que sobra também para nós, espectadores, fãs, cinéfilos e profissionais julgarmos isso, mas fazer disso uma explicação para ignorar um talento soa estúpido. Nunca em nenhum filme de Allen se consegue enxergar qualquer tipo de detalhe simbolismo ou resquício desses “detalhes” de sua vida pessoal, muito pelo contrário, quase na totalidade de sua obra o que sobra é uma paixão por personagens femininos e uma impressão de que o homem, muitas vezes idiotizado e diminuído, está lá para sofrer diante dessa superioridade. Não à toa, muitos dos seus protagonistas, quando não são interpretados por ele mesmo (em toda sua falta de charme característico) acabam sendo encarados como um pastiche esquizofrênico dele mesmo.
Me aponte qualquer subversão sexual (ligada a seu “problema” fora das telas) em algumas de suas obras e eu serei o primeiro a dar o braço a torcer.
E isso ainda vai de encontro a observação de que isso (esse esquecimento do grande público) só aconteceu, pois o caso ocorreu com uma mulher, em um feminismo pouco inteligente. Idéia que foi o ponto de partida para um irresponsável texto publicado no site da Carta Capital, que ainda cita Roman Polanski e a dúvida se a resposta seria igual caso Allen fosse um Serial Killer.
Primeiro de tudo, se Allen fosse um Serial Killer e todos soubessem disso (senão seria difícil acusá-lo), ele estaria preso, consequentemente não estaria fazendo filmes, mais consequentemente ainda não teria sido homenageado e por consequencia seu texto também não existiria. O problema é que, se ele tivesse matado o set inteiro de filmagem de Sonhos de Uma Noite de Verão em um surto psicótico, quem iria para a cadeia teria sido o gênio criador de Annie Hall e Manhattan. E durmam com esse barulho.
Agora sobre Polanski, que está “exilado” na Europa depois de ter sido acusado de estuprar uma menor de idade, o cenário é bem diferente. Polanski, no auge de sua fama (logo após filmar o clássico Chinatown) e conhecido por suas grande festas, teria (na verdade ele mesmo já afirmou que o fez) estuprado uma garota de 13 anos. Um momento monstruoso e que (sim!) marcou sua carreira até hoje, mesmo com a menina já o tendo perdoado e ele próprio pedido desculpas publicamente (o que, obviamente, não apaga seu erro). Mas de qualquer jeito, algo bem diferente de tocar as partes genitais, durante dias seguidos, de sua filha adotiva de sete anos, enquanto em outra oportunidade tirava fotos nuas (com consentimento) da outra filha adotada de sua esposa (Mia Farrow). Allen tem sérios problemas psicológicos (muito maiores do que aqueles que seus filmes refletem), enquanto Polanski errou feio.
Mas o que motivou toda essa discussão foi, na verdade, o “tuíte” do próprio filho de Allen, Ronan Farrow (que para a sorte dele, só parece ter herdado os genes, e o nome, da mãe). De acordo com o “gorjeio”, ele teria perdido o tributo e perguntado se “eles colocaram a parte onde uma mulher confirma ter sido molestada por ele quando tinha sete anos antes ou depois de Annie Hall?”. E a resposta caro Ronan é: em nenhum lugar.
Em nenhum lugar por que não se tratava de uma cerimonia de premiação da Associação de Pedófilos Estrangeiros de Hollywood. O assunto era cinema caro Ronan, e nesse quesito, seu pai pedófilo/monstro/maluco é um daqueles nomes que merecem sim uma homenagem.