Logo no começo de Zona Verde, Matt Damon, que interpreta o oficial do exército americano Roy Miller, responsável pela procura das “notórias” Armas de Destruição em Massa de Saddan Hussein após a invasão do Iraque, entra em um galpão abandonado de Bagdá e encontra o local vazio, coberto apenas por excremento de pombos, na sequencia, um de seus companheiros abre uma imensa porta e todo lugar é iluminado, Miller segue por aquela porta enquanto questiona essa “terceira vez seguida” que dão de cara com nada.
Dirigido por Paul Greengrass (Ultimato Bourne, Vôo 93 e Domingo Sangrento), Zona Verde é na verdade mais uma visão da obra literária, talvez, mais adaptada para o cinema. Não a bíblia, mas sim um livro quatro séculos mais velho que o personagem principal dela: “A República” de Platão. Mais especificamente ainda, sua “Alegoria da Caverna”, sobre (resumidamente) um homem que vive em um mundo de sombras onde ele só descobre a luz quando decide sair dessa caverna.
A história escrita pelo sempre competente Brian Helgeland, que ganhou um Oscar por seu roteiro de Los Angeles Cidade Proibída (além de também ter escrito o ótimo Sobre Meninos e Lobos), parece mais preocupada em ser um retrato do soldado que precisa fechar os olhos quando um mundo de verdades desabam sob seus pés, não diante de uma invasão frustrada, mas sim de uma guerra suja e desonrosa. Nela, Miller é um oficial que se descobre movido por razões e não pela simples obediência com que ele conviveu a vida inteira, ainda mais quando começa a descobrir que seu governo, e seu país, são os verdadeiros inimigos dessa guerra.
E se Greengrass faz um ótimo trabalho técnico, com seu estilo grudado na ação, sufocante e ágil, optando ainda, aqui, por quase sempre compor seus enquadramentos não com uma Bagdá destruída, mas com uma cidade cheia de símbolos arquitetônicos que enriquecem, e contextualizam perfeitamente toda sua trama, acaba, infelizmente, chegando muito depois da notícia. Mesmo que os Estados Unidos ainda, provavelmente, acredite que as Armas de Destruição em Massa estão escondidas por alí em algum lugar, o resto do mundo já tem certeza de tal “erro” (na verdade desde o primeiro bombardeio), o que torna toda história um pouco previsível para quem não conseguir mergulhar em sua trama, mesmo ela sendo uma intriga sólida e que segurará a maioria dos espectadores, até o final.
Por mais que tenha cara de filme de ação, acaba sendo muito mais um thriller de espionagem bem competente, que, se peca pela novidade, pelo menos se mostra afim de discutir o assunto, tornando-o não só contemporâneo como pertinente, ainda que decida se abster na hora de apontar qualquer que seja o verdadeiro motivo da guerra, fingindo fazer isso apenas quando um dos comandantes do governo iraquiano, vencido, acusa os Estados Unidos de preferir “acreditar na mentira”. Do mesmo jeito que poderá ainda ser acusado de uma falta de coragem ao “sacar” um coadjuvante iraquiano (servindo, inicialmente, de interprete do personagem de Damon, mas ganhando importância no final da trama) para “desvilanizar”, um pouco, os Estados Unidos e sua invasão, já que sempre que possível cita o governo de Saddan Hussein como algo maléfico e ruim para seu povo.
Mas é a competência de Greengrass que no fim das contas salta ao olhos, movendo seu filme por descobertas e reviravoltas que acontecem em um ritmo alucinante, não deixando com que nenhum plano de seu filme pareça existir sem que um pedaço da trama esteja sendo contado. Imergindo o espectador dentro da trama de um jeito arrebatador. Mas talvez tudo isso seja apenas uma preparação para a derradeira e impressionante sequencia onde o oficial Miller, vai de encontro ao General Al Rawi (também conhecido como o “valete de paus” do baralho de mais procurados pelo exército), enquanto, na chamada “zona verde” (onde o governo dos Estados Unidos tomas as decisões extratégicas dentro do próprio Iraque, em um clima paradoxal onde turistas tiram fotos e uma piscina lotada de “biquinis” tomam banho de sol) o departamento de defesa dá sua cartada final.
Nela, Greengrass mostra uma verdade sendo perseguida, seja na pele de Al Rawi, seja em uma declaração oficial, criando três consequências distintas para tais ações, três resultados diferentes para quem quer que consiga alcançar seu objetivo. E mesmo que no fim acabe optando por uma pequena surpresa, se mostra coerente em dar ao próprio Iraque o direito de decidir sobre seus problemas (mesmo que logo depois dê ao país um início de governo fadado a se sustentar sobre mentiras e aparências). Acaba o filme com o governo do Estados Unidos exaltando uma vitória em uma guerra que não aconteceu, mas sim foi manipulada, e que, como no mito de Platão, depois da descoberta, não deixará vivo àquele que carrega a verdade por trás da luz, obrigando a todos que as sombras continuem sendo sua única realidade. Pelo menos oficialmente.
Green Zone (EUA/Fra/GB/Fra, 2010) escrito por Brian Helgeland a partir do livro Imperia Life in the Emerald City: Inside Iraque´s Green Zone de Rajiv Chandrasekaran, dirigido por Paul Greegrass, com Matt Damon, Yigal Naor, Amy Rian, Greg Kinnear, Brendam Gleeson, Khalidd Abdhalla e Jason Isaacs.