Assim que o James Cameron e seu Avatar estouraram com seu “3D de verdade”, os Hollywood não perdeu um só segundo e percebeu a possibilidade de aumentar mais ainda seus rendimentos com os ingressos mais caros. Era inevitável ainda que essa nova3X3D Poster tecnologia fosse encarada como descartável, pelo menos enquanto nenhum grande nome do cinema resolvesse “experimentar” os óculos de três dimensões. Martin Scorsese contou seu Hugo Cabret “em profundidade”, depois o alemão Werner Herzog foi explorar as cavernas com a nova tecnologia, e agora 3X3D talvez fosse a oportunidade de dar um outro passo. Mas não é.

Podia, por que maior que o nome do filme em seu pôster, estavam os nomes de Jean-Luc Godard, Peter Greenaway e Edgar Pêra, um trio que comanda a trinca de segmentos da produção, mas parecem tão em busca de um significado maior que tornam o filme uma experiência válida para as plateias mais barrocas, mas à custa de ideias tão herméticas que fazem ser difícil permitir qualquer um sair do cinema satisfeito com o que viu.

Por outro lado, talvez a ideia seja justamente essa: não ver, mas sim sentir tudo que apareceu na tela. E isso, ainda que o resultado beire o desconexo e soe ousado, porém meio prepotente, como se cada um dos três diretores, por terem o “poder da câmera”, não precisassem dar satisfação a ninguém.

Diante disso o único que acaba saindo impune disso é o português Edgar Pêra, com o segundo segmento, Cinesapiens. Mesmo beirando a experimentação, ultrapassando o quadro e chegando na plateia com seus personagens longilíneos, ele tanto parece se divertir com isso, que permite que, do lado de cá da tela, todos entendam e absorvam essa espécie de metáfora visual que correlaciona a alegoria da caverna de Platão com o cinema. Nenhuma novidade, mas ao fazer isso com tamanha sinceridade atinge o espectador em cheio.

E faz isso contando com um humor muito mais afiado e fino, que permite não perder a oportunidade de cutucar feridas, desafiar e tentar entender não só o cinema, mas quem está sentado naquela sala escura. Entretanto, tampouco o faz questão de ser um passatempo fácil e mastigado, o que lhe permite ser muito melhor recepcionado até por quem entrou na sala de exibição pronto para ser desafiado.

Falando em desafio, Just in Time, que abre o filme e teria tudo para ser o mais simplista e acessível, acaba sendo o mais complicado, pois se mostra impossível de ser aproveitado em apenas um único momento. Dirigido por Peter Greenaway, essa primeira parte consiste em um passeio por uma igreja em Guimarães (Portugal) que passa não só por seus corredores e interior, mas sim por grande parte da história que rodeou o lugar, assim como o país. O problema é que, diante de uma interessante decisão de fingir fazer isso sem corte (o que é tremendamente divertido, mesmo que repetitivo), o diretor inglês exagera na quantidade de referências, textos, nomes, situações e detalhes que surgem para acompanhar o espectador. Tudo carregando de bom gosto e sutileza, mas impossível de ser aproveitado em apenas uma passagem por cada um desses momentos.

No caso desse primeiro momento de 3X3D, ainda que se torne até meio chato e arrastado, já que repete demais alguns movimentos de câmera, é impossível permanecer afastado do incômodo em que o diretor coloca todos ao dividir a tela em três partes distintas, com profundidades diferentes e uma impressão de que esse é o modo exato como não se deve usar o 3D. Talvez por um escorregão, mas muito provavelmente para isso mesmo: enfrentar o espectador e perguntar para ele até quando ele quer ficar com esses óculos na cara.

3X3d Filme

Essa vontade de enfrentar a plateia tem então seu ápice diante do nome mais celebrado do trio de diretores (e do cinema), já que o francês Jean-Luc Godard fecha o filme com seu 3 Desastres, titulo que em francês parece ter um trocadilho com aqueles dados que começam o segmento. E esse é, talvez, a parte mais fácil de sua participação, já que no resto do tempo, nessa espécie de colagem descontrolada, poética e incompreensível, Godard parece muito mais a fim de agredir o espectador, o cinema moderno, Hollywood, o próprio 3D e mais o que passar em sua frente. Como uma metralhadora giratória de ideias.

Pior ainda (ou melhor) diante da possibilidade de fazer um filme em 3D, o diretor de Acossado parece estar em uma fase tão rabugenta e complicada que recorre na enorme parte do tempo a imagens de arquivo (sem 3D) sob uma narração impregnada de significado, mas que é tão carregada que soa vazia e presunçosa. No resto do tempo, “quebra a fantasia” ao focar a sombra da grua que carrega a câmera e estoura as cores de seu mundo, tudo para lembrar que talvez não seja necessário apenas entrar na sala de cinema, vestir os óculos e ser enganado por seu cérebro com algo “saindo da tela”, mas, mais do que isso, é necessário tentar entender o que isso tudo quer dizer. Por mais que até isso seja complicado de esclarecer.

E talvez esse seja o principal intuito de 3X3D: não deixar que o cinema, mesmo diante dessa nova tecnologia, se torne somente um monte de criaturas azuis pulando em uma floresta que pisca como se fosse de neon. Mas sim que tenha a possibilidade de se tornar uma experiência que não deixe o espectador sair impune e que se esvaia junto dos óculos, “que devem ser entregues na saída”.

3X3D então, contradizendo a expectativa de ser uma possível obra de arte, sobrevive muito mais por enfrentar os aspectos descartáveis do cinema atual e pedir (ou desafiar) a seu espectador que, simplesmente, pense.


“3X3d” (Port/Fra, 2013), escrito e dirigido por Peter Greenaway, Jean-Luc Godard e Edgar Pêra


Essa crítica é parte da cobertura da Itinerância da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

Trailer do filme 3X3D

DEIXE UM COMENTÁRIO

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Menu