Cavalo de Guerra acaba e uma coisa logo vem em mente: onde foi parar aquele Steven Spielberg que se tornou uma jóia da sétima arte? Aquele diretor que mudou a história do cinema no final dos anos 70 e se tornou sinônimo do mesmo na década seguinte, mas que agora parece atrelado a uma falta de coragem sem precedente em sua carreira.
Talvez seja a arma de ET – O Extraterrestre que virou uma lanterna na versão restaurada ou a impossibilidade de mostrar Indiana Jones e o Templo da Perdição para seus filhos antes deles completarem 18 anos, ou até ter perdido a chance de acabar A.I. – Inteligência Artificial no fundo do mar (talvez até antes do personagem de Jude Law dar as caras), é realmente difícil saber, mas em um desses momentos Spielberg parece ter escolhido ser muito menor do que poderia ser nos dias de hoje.
Cavalo de Guerra é realmente um exercício deslumbrante em termos visuais, que mostra um Spielberg talvez no ápice de sua consciência técnica e plástica, mas tudo isso acompanhado de um exagero melodramático espantoso e uma covardia narrativa nunca antes vista em um de seus filmes.
O surpreendente disso tudo é o quanto falta pouco para Cavalo de Guerra se tornar um épico emocionante que conta a história desse jovem inglês e seu cavalo, que são separados pela Primeira Guerra Mundial e acabam sobrevivendo por ela para se reencontrarem.
E se só a sinopse já parece melodramática, toda embalagem é pior ainda, por mais bem construído que ela se mostre. Se a ideia de Cavalo de Guerra é ser um melodrama exagerado e manipulador, o que Spielberg faz é um baita de um melodrama exagerado e manipulador, que pede a companhia de um punhado de lenços de papel para as lagrimas e que vai enganar muita gente dentro do cinema, que sairão dele achando que sentiram algo sem perceber que só fizeram o que o diretor queria.
Mas é lógico que todo diretor quer passar alguma coisa, um sentimento, uma mensagem etc., mas é o jeito descontrolado de Spielberg que mais incomoda, como se tudo em seu Cavalo de Guerra precisasse ser épico e à flor da pele. Se no começo de tudo o espectador é obrigado a conhecer esse pai alcoólatra e manco com esse filho sonhador (e um amigo irritante que ganha alguns closes irritantes de “vai lá amigão!”) culminando em um arado doloroso no meio da chuva onde o cavalo do título prova seu valor, o resto do filme não economiza nem um segundo em passar por essa Guerra Mundial sem mostrar muita coisa do conflito, mas sacrificando todos ao seu redor somente pelo drama da situação.
É verdade que por um lado essa estrutura episódica, aonde o cavalo vai passando pela vida de vários personagens que acabam sendo destruídos pela Guerra, dá um ritmo interessante ao filme, tornando-o dinâmico e rápido mesmo com a metragem de 140 minutos, mas, por outro lado, tudo acaba se tornando desgastante e deprimente, já que, a não ser pelo final e por um momento onde o cavalo para a guerra e junta os dois lados do conflito, todo resto é marcado pela morte de seus personagens. Mesmo que para Spielberg elas pareçam não acontecer.
Talvez dentro do auge de sua consciência técnica (em termos de estéticos rivalizando até com A Lista de Schindler) Spielberg usa todo essa beleza para criar um retrato que chega sempre instantes depois da guerra ou que prefere desviar os olhos de toda crueldade (oposto do que, justamente, faz de A Lista de Schindler um de seus trabalhos mais corajosos). É lógico que a pá do moinho passando na frente dos dois desertores na hora de suas mortes seria um plano inspirado e inesquecível, mas no meio de toda falta de coragem de Spielberg acaba sendo só mais um modo de não mostrar mortes, sangue e qualquer outra coisa que possa tirar seu espectador da zona de conforto onde nada pode desviar a atenção do drama do cavalo.
Spielberg prefere esconder uma pilha enorme de cavalos vitimados pela guerra em um canto qualquer de um plano qualquer do que mostrar a crueldade com que essas montarias eram descartadas, assim como, já do lado dos alemães, nem assim se sente confortável de mostrar o gatilho sendo apertado, mas sim só o barulho soando. E nessa tentativa desesperada de amenizar todos terrores dos personagens, Spielberg acaba descambando para um rumo bobo e mole, que, claramente, mereceria um pouco mais de respeito e coragem.
Esse clima acaba ainda sendo elevado pelo trabalho de John Willians, acostumado à trilhas épicas e inesquecíveis e que em Cavalo de Guerra acaba estragando boa parte do filme com temas repetitivos e exagerados, que parecem não dar trégua ao espectador e predizem todo e qualquer sentimento que ainda possa sobrar no escuro daquele cinema. Nunca na longa parceria desses dois mestres do cinema ficou tão clara foi a vontade de manipular sua platéia como o fazem em Cavalo de Guerra, já que ninguém está feliz com o jovem e seu cavalo no começo, mas sim respondendo a uma trilha sonora bobinha que teima em não desgrudar das imagens. Tampouco, se emociona com o protagonista (o cavalo) correndo atravessando os dois fronts em uma corrida desesperada pela sua liberdade, mas sim pelos acordes épicos de Willians que te forçam a sentir isso, já que por Spielberg, naquele momento, o cavalo está mesmo é pondo em prática sua nova habilidade de pular.
O irônico disso tudo é perceber o quanto o diretor parece fazer isso como uma homenagem ao cinema em cada plano e movimento de câmera, enganando direitinho o desavisado, procurando por um estilo clássico de fazer cinema, limpo, que até esbarra em uma certa artificialidade, mas por um objetivo maior de tentar ser épico, mesmo sem toda coragem de olhar para o problema, que remete aos horizontes sem montanhas de Scarlet O´Hara sem perceber que ele mesmo não permitiu que seus personagens (bom, talvez o cavalo, mas esse ganha seu close-up brega no último plano) sofram nem um terço que aquela sulista teve que passar durante a guerra da secessão.
Cavalo de Guerra, mesmo em toda sua beleza, faz todos se lembrarem da falta que faz aquele Steven Spielberg que invadiu a Normandia com Tom Hanks (mesmo que depois disso use de Ryan como seu “cavalo de guerra” com um pouco mais de ousadia), vestiu a pobre menininha de vermelho no campo de concentração e até deu de comer a seu Tiranossauro Rex enquanto mostrava que ser sinônimo de cinema nos anos 80 ainda rendia frutos nos 90 e que, talvez, ainda demonstra um pouco de esperança para esse novo século.
“War Horse” (EUA, 2011), escrito por Lee Hall e Richard Curtis a partir do livro de Michael Morpurgo, dirigido por Steven Spielberg, com Jeremy Irvine, Peter Mullan, Emily Watson, Niels Arestrup, Tom Hiddleston, David Kross e Celine Buckens
9 Comentários. Deixe novo
fico bem agradecido por isso Davi… e por nem um segundo achei que você pudesse querer me ofender, muito pelo contrário até, já que me soou como um elogio, como alguém que leu a crítica e deu sua opinião, sempre muito bem-vinda… espero que você continue lendo e espero mais ainda sua opinião sobre outros filme. E mais uma vez agradeço por visitar sempre o site. Abraço!
Bem, são opiniões contrárias. Mas espero que não pensem que não gosto de animais, e embora eu não tenha o dinheiro para cuidar de um cavalo, sei que eles têm sentimentos (aqui registro que foi muito cômico o comentário do colega).
Mas, Vinicius respeito sua opinião, mas não pense que quis ofendê-lo, pois saiba que sou seguidor assíduo de suas críticas e posso dizer que o considero meu guia de filmes. Apenas para registrar. abraço
Acho que as pessoas que dizem que o filme ficou em cima do CAVALO, são pessoas que não respeitam os animais e são contra a ideia de que animais tem coração! Sem contar que está pessoa nem deve ter um cavalo pois não tem dinheiro para manter, revelando que o ser humano é uma desgraça, e garanto que este animal possui coração e sabe muito bem sua amizade, se achar que estou falando bobagem procure SOBRE AMAZONAS e CORREDORES HIPICOS, aonde a amizade e respeito um com o outro, está acima de tudo, para que ambos consigam bater suas metas e records! Filme muito emocionante gostei muito! Com certeza SPIELBERG forçou em alguns pontos, mas foi a unica forma de passar a EMOÇÃO do filme.
A ideia do garoto ter essa ligação com o cavalo no começo, derrubar todas barreiras, perder o cavalo e anos depois encontrar com ele novamente no meio da guerra é sim a estrutura de um conto de fadas… e entenda bem, isso não é ruim, é só uma caracteristica. E Spielberg fugir da violência visual é uma das características que o diretor tem adquirido no passar do anos, já que você não vai mais ver um cara arrancando o coração de um outro como em Indiana Jones, e nem um policial apontando uma arma para uma criança, como em ET (por mais que em ambos casos, isso faça sentido dentro da obra). E a ideia tanto da peça quanto do filme é sim mostrar os absurdos que os cavalos sofreream durante a guerra, o ser humano é coadjuvante do cavalo nesse caso. Mas lógico que, por se tratar de um obra com o mínimo de ambição, mostrar que durante a guerra os soldados e pessoas também sofriam é o mínimo que se podia fazer, ainda que de modo superficial.
Valeu pelo comentário Davi…
Bem, a crítica peca por um lado pois enfatiza muito o cavalo, como se fosse mais um filme de contos de fadas. Quando na verdade, o cavalo é apenas o que conduz o filme, a finalidade desta obra não é demonstrar as emoções envolvidas, daí que ele não enfatiza as cenas de violência. Pelo contrário, visa focar os horrores de uma guerra e observar que não há um lado bom e um lado ruim, exemplo disso é no momento em que os dois soldados inimigos juntam-se para ajudar os cavalos, e na constante mudança com que o cavalo sai dos cuidados de uma determinado lado e vai para outro considerado inimigo, mas que recebe os mesmos tratamentos, crueldades e bondades.
O filme é uma crítica a guerra, em que não há lado bom ou lado ruim. Apenas existem soldados que lutam e sacrificam vidas e família em prol de interesses alheios que não os próprios. Com todo o respeito, mas acredito que seja um ótimo filme, ainda que não tenha o espírito clássico de Spielberg.
Acabei de sair do cinema depois de ver o filme. Concordo plenamente com a critica de Vinicius Carlos. Nem sequer reconheci o estilo sonhador que o Spielberg dá aos seus filmes. Sinceramente apeteceu-me sair a meio pois parecia que estava a ver uma fita para adolescente onde um cavalo tem emoções humanas. esperava um filme acerca do drama da primeira grande guerra com uma história de backgroud. Aconteceu um filme acerca de uma história lamechas tendo a guerra como backgroud. Então o final, enfim, que grande desilusão do meu mestre Spielberg.
cavalo de guerra vai muito além do que emoção, mostra varios lados da mesma guerra… e como um animal pode fazer os dois países se ajudarem. Na minha opinião existem muitas falhas nessa critica. Spielberg foi muito feliz na escolha e produção desse filme e com certeza vai marcar como uma de suas melhores produções.
Cavalo de Guerra conta a história desse jovem inglês e seu cavalo, que são separados pela Primeira Guerra Mundial e acabam sobrevivendo por ela para se reencontrarem. Ja ” Cor Purpura” – também de Spielberg -conta a historia de duas irmãs afro-americanas , que são separados pelo marido de uma delas e ao final do filme se reencontram. Vejam que são semelhantes e um deles, foi feito em 2011 e o outro em 1985, porém Cor Purpura ( 85) foi baseado em um livro. Ele não foi covarde ao fazer o filme, voce, Vinicius Carlos, que não conseguiu perceber a essência do filme !
É triste pra um artista quando as pessoas não enxergam o filme, ficam só na superficialidade. Com essa crítica, você não viu um décimo do que realmente é o filme. É uma crítica ao que é realmente a guerra. A ignorância humana vista e tratada de uma forma subjetiva por um cavalo. Isso é o filme. A história do cavalo e o dono fica em segundo plano. Cada personagem, Albert, os irmãos, o soldado, a menina tem um ponto de vista diferente da guerra, e Spielberg retrata esses lados de uma forma impressionante.