Baseado na peça homônima do grupo brasiliense Plágio, Cru é mais uma prova da inventividade e versatilidade do nosso cinema nacional. Contando a história de um forasteiro que viaja até uma pequena cidade em busca dos serviços de um matador de aluguel, o Cru Posterlonga foca em duas tramas paralelas: a negociação entre o matador, Cunha, e o forasteiro, Zé, em um pequeno açougue da cidade, enquanto – em flashbacks – tentamos descobrir quem é o alvo do acerto de contas, informação que o forasteiro se nega a revelar.

Criando uma mise-en-scène que dá destaque aos embates entre os personagens devido a seu confinamento no escuro e claustrofóbico açougue, o diretor Jimi Figueiredo inteligentemente se utiliza ainda de planos fechadíssimos para aumentar a sensação de proximidade e combate iminente entre os dois, chegando a dar – propositadamente – ares de western a várias tomadas.

Além disso, o diretor se decide pelo formato de tela 16:9 (o padrão das TVs widescreen atuais) em vez do formato mais comumente usado no cinema nos dias de hoje, o 2.35:1 (um formato bem mais largo), provavelmente com o intuito de poder fazer com que os rostos de seus atores tomassem toda a tela. Uma decisão, sem dúvida, interessante e bem empregada. Por fim, Figueiredo ainda opta por não fazer uso de uma trilha sonora (com exceções dos interlúdios). Todas estas decisões feitas com o objetivo comum de criar o clima tenso visto nas sequências gravadas no açougue.

O longa ainda conta com soberbas atuações por parte do elenco principal. O forasteiro, vivido por Chico Sant’anna, é um homem nervoso e claramente incomodado de se encontrar em tal lugar, mas ao mesmo tempo consegue ser misterioso e sombrio quando o assunto se volta para o motivo ou o alvo do serviço. Já o Cunha, papel vivido por Sergio Sartório, além de ameaçador, se mostra sempre como um ser imprevisível, o tornando, assim, ainda mais assustador. Ainda dentro do pequeno açougue encontramos o dono do recinto, o travesti Frutinha (André Reis). Do trio, André é o único que não pertence ao elenco da peça de teatro, mas isto nunca transparece, já que sua performance é tão eficaz quanto a de seus companheiros. Até o elenco de apoio, que aparece nos flashbacks, entrega grandes performances, não permitindo que o cast tenha nenhum elo fraco.

Curiosamente, os maiores problemas de Cru vêm do roteiro escrito por Alexandre Ribondi, também responsável pela peça que originou o longa. Muito do impacto do primeiro ato do filme é perdido devido ao diálogo pouco inspirado sobre política, onde a tensão é apenas criada devido às belas atuações do elenco e não ao texto propriamente dito e onde as gags simplesmente não funcionam (claramente o primeiro ato tinha como objetivo ter um clima um pouco menos denso e mais imprevisível graças às cenas que deveriam ser engraçadas).

Cru Filme

Ainda dentro dos problemas da adaptação está o terceiro ato. Apesar do longa ser consideravelmente curto (apenas 73 minutos de projeção), o último ato ainda assim consegue ser lento e arrastado, e poderia facilmente ter algumas cenas cortadas da versão final.

Mesmo que os principais problemas venham do roteiro adaptado, ainda há alguns deslizes advindos da direção que merecem menção. Os interlúdios com cenas que nada – ou pouco – tem a ver com o tenso clima criado no açougue, acabam enfraquecendo o longa e se mostram meramente como uma tentativa de dar um tom artístico ao projeto (algo totalmente desnecessário). Outro detalhe que aos poucos passa a incomodar é o uso dos planos fechadíssimos mesmo em cenas de movimento, ocasionando perda do foco em várias delas. Enquanto os planos fechados durante as conversas tem os efeitos citados anteriormente, as confusas cenas sem foco parecem mais um erro amador e sua insistência chega a atrapalhar em certos momentos a capacidade do espectador de acompanhar o que transcorre na tela.

Assim, Cru pode até contar com alguns tropeços, mas é mais um longa que serve para nos lembrar de que o cinema nacional pode gerar grandes filmes independentemente do gênero. Um lembrete que talvez seja até mais necessário para nossos cineastas do que propriamente para nossos espectadores.


Cru, escrito por Alexandre Ribondi, dirigido por Jimi Figueiredo, com Chico Sant’Anna, Sérgio Sartorio, André Reis e Rosanna Viegas


Trailer do filme Cru

1 Comentário. Deixe novo

  • O filme não me empolgou muito. Achei uma boa experiência cinematográfica, mas os diálogos realmente são pouco impactantes. No campo das atuações, talvez seja teatral demais para uma película.

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