Em certo momento de Duas Coroas, documentário com trechos ficcionais sobre São Maximiliano Maria Kolbe, o diretor Michal Kondrat fala sobre a descoberta do sacerdote de do cinema e de seu potencial para “evangelizar as pessoas” enquanto lamentava que os filmes eram repletos de mensagens irrelevantes e maldosas. Na visão de Kolbe, a sétima arte deveria ser utilizada para propagar as mensagens da Igreja.
E é exatamente isso que Kondrat faz em Duas Coroas. O filme não é nada mais, nada menos do que uma longa propaganda sobre o santo polonês – do qual você já deve ter ouvido falar se for católico, mas que era totalmente desconhecido para mim. Até mesmo nos momentos fictícios, em que Kolbe é interpretado pelo ator Adam Woronovicz, jamais há o interesse de estabelecer a personalidade daquele homem para além de sua fé.
Dessa forma, enquanto as cenas fictícias não mostram nada que não pudesse ser (ou já não tivesse sido) falado, os depoimentos de outros membros da Igreja apenas repetem e repetem as mesmas frases vazias sobre a fé e o sacrifício do santo, como “para combater o mal, Kolbe decidiu promover o bem”.
Mas se os problemas do documentário se limitassem a seu caráter propagandista, o resultado final seria muito superior. Investindo em uma fotografia ultra saturada para as cenas recriadas com atores, Michal Kondrat parece não ter noção cinematográfica alguma, já que o filme não tem ritmo ou coerência em seu tom ou narrativa, a trilha sonora insiste em se fazer presente o tempo todo e os atores parece não terem recebido qualquer tipo de direção – repare em como as cenas mais dramáticas e os poucos momentos de humor do longa (coloque “humor” entre muitas aspas) são conduzidos exatamente da mesma forma.
Se não fosse a trilha sonora, que adota acordes mais leves, não haveria indicação alguma de que a cena envolvendo uma prensa envolta em fumaça, por exemplo, era para ser supostamente divertida.
Discorrendo várias e várias vezes sobre como Kolbe era tão genial e à frente de seu tempo que previu acontecimentos como as viagens espaciais e a bomba atômica, Duas Coroas se limita a trazer religiosos falando sobre a inteligência e visão moderna do santo e o quanto tecnologias futuras haviam sido previstas por ele enquanto Kondrat mostra seus desenhos tridimensionalmente na tela, sem que ninguém jamais pense em explicar exatamente o que de concreto Kolbe “previu” – pelo que é mostrado aqui, não havia registro algum de como as máquinas funcionariam.
Porém, esse é realmente o objetivo desta produção polonesa: não mostrar a vida de um homem que viria a ser santificado, mas uma propaganda sobre fé e sacrifício. Kolbe não tem característica alguma além dessas e todos os entrevistados apenas o elogiam e falam sobre a força de sua fé e de seu martírio, ignorando totalmente o fato de que, anos antes de falecer em Auschwitz e de defender um prisioneiro judeu, ele havia ativamente trabalhado para converter todos os “hereges, infiéis e judeus” ao catolicismo.
Kondrat tem a clara intenção de deixar sua mensagem o mais mastigada possível para que qualquer pessoa compreenda e possa ser “tocada” (leia-se: convertida) por ela, chegando ao cúmulo de resumir todos os acontecimentos mostrados no filme antes de abordar o “grand finale” com Kolbe no campo de concentração. Na visão do diretor, sua plateia é tão ignorante que precisa ser relembrada dos conteúdos dos enxutos 90 minutos de filme.
Então, se você não for 1) extremamente fiel à Igreja Católica e 2) altamente interessado em Maximiliano Maria Kolbe, Duas Coroas é apenas uma obra medíocre em todos os sentidos, seja na forma simplória e mal-intencionada com que conta sua história, seja na aplicação nula de qualquer coisa sequer próxima da linguagem cinematográfica.
“Dwie Korony” (Pol, 2017); dirigido por Michal Kondrat; com Adam Woronowicz, Artur Barcis, Pawel Delag, Arkadiusz Janiczek e Ksawery Szlenkier.