Em 1979 o mundo era outro, e o último filho de Krypton subiu aos céus para mostrar isso. Lex Luthor era quase um alívio cômico e o Superman termina o filme de modo descabido e esquecível enquanto girava o planeta no sentido inverso. Ao invés de atrapalhar todo sistema solar e acabar com o universo ele só fez o tempo voltar, mas ainda assim o filme virou um clássico imediato e iniciou uma guerra que só terminou pouco tempo atrás com a vitória da concorrente.
Sim, a DC ganhou algumas batalhas, mas a Marvel ganhou essa guerra. Uma que, bem verdade, começou bem antes de Superman – O Filme e virou uma batalha acirrada quando Stan Lee, em 1961 criou o Quarteto Fantástico e mais uma série de heróis que bateram de frente com a popularidade nas páginas dos quadrinhos de Batman, Superman etc.. A única coisa que o cinema fez foi elevar isso a valores astronômicos e bilheterias maiores ainda. Mas como eu disse, a Marvel venceu, e o tiro de misericórdia veio com um grupo de desajustados galácticos.
Mas antes disso o melhor mesmo é entender essa guerra e descobrir o quanto em 1998 Nick Fury – Agente da Shield foi importante para sacudir esse confronto.
Começo
Enquanto foram soberanas nas bancas e comics shops dos Estados Unidos, DC e Marvel não só ditavam as regras, como, praticamente, não permitiam que mais ninguém chegasse nem perto. Em 2013, 33% dos gibis vendidos por lá eram da Marvel, enquanto 30% vinham da “distinta concorrência”, números que soam próximos, ainda mais quando se vem de duas décadas onde a “casa do Homem Aranha” liderava com folga essas vendas (em 2008 a diferença chegou a mais de 10%).
Uma soberania numérica que acaba se refletindo nos cinemas, ainda que, antes de qualquer um, a DC já apostava na sétima arte e se dava muito bem. Até a página dois, é bem verdade, mas ainda assim se dava (e dá) muito bem. Mesmo com a faca e o queijo na mão (ou a “capa e o batrangue”) ela nunca conseguiu manter a qualidade de seus primeiro passos. É indiscutível que o mundo conhece muito melhor o Superman e Batman do que qualquer personagem da Marvel, mas fazer bom uso disso não é o forte da DC.
E a história se repete: um filme clássico, seguido de uma sequencia irreparável (e até mais clássica) e enfim uma pisada na bola que é melhor ser esquecida. Como se a DC chegasse tão alto em certos momentos que o que vem a seguir é um tombo pior ainda. Não tentem entender Superman III (e muito menos o IV), assim como todos mamilos da roupa do Batman e seu “bat-cartão de crédito”.
Uma “brincadeira de mal gosto” que só continuava graças às bilheterias que ainda continuavam enormes mesmo enquanto caiam filme à filme que Joel Schumacher colocava a mão. E não se enganem, do momento que a DC passou a fazer parte do conglomerado capitaneado pela Warner a única coisa que importava no cinema eram os números, e enquanto eles estivessem no azul, as continuações (boas ou ruins) continuariam tomando as salas de cinema.
Do outro lado, a Marvel sofria mais ainda com uma péssima estrategia de venda de seus personagens, opção que não lhes dava dinheiro, não refletia nas vendas e ainda por cima transformavam esses esforços em completas piadas.
Ninguém esquece do “moreno” Dolph Lundgren andando com sua moto nos esgotos de Nova York enquanto combatia o crime com uma caveira desenhada na camisa (ok, a caveira não estava lá, mas era para estar!). E Justiceiro só não foi pior que o Capitão América de 1990 e, obviamente, o nem lançado Quarteto Fantástico quatro anos depois. Essa última, uma produção ruim, canhestra e horrorosa feita às pressas para manter os direitos dos personagens sob a asa da New Horizon. Duas décadas tão maltratadas para a Marvel que, para muitos, seu ponto alto (mas ainda assim baixo) foi em 1986 com Howard – O Super Herói.
Mas isso estava para mudar nas mãos de um tal de David S. Goyer.
O meio
Ok, David Hasselhoff sair das praias de Malibu, enfiar um tapa-olho na cara e estrelar o piloto de uma série de TV que acabou sendo negada não foi importante para a época, e nem a Marvel parecia colocar muito suas fichas em Nick Fury – Agente da S.H.I.E.L.D, mas em 1998 o filme foi ao ar. Mas bem no meio de seus créditos estava lá o nome de David S. Goyer.
Na verdade, Goyer já tinha uma certa experiência como roteirista, e até com adaptações de quadrinhos, tendo escrito Corvo: Cidade dos Anjos, sequência daquele onde Brandon Lee morreu durante as filmagens, mas (além do choque de descobrir que Nick Fury – Agente da S.H.I.E.L.D serviu para alguma coisa) é em 1998 que ele vê seu nome no alto da cadeia alimentar. Além de escrever o telefilme (ok, Fury não serviu para nada!) Goyer ainda assinou um tal de Blade – O Caçador de Vampiros.
Curiosamente, o filme estrelado por Wesley Snipes, à partir de um personagem de segunda linha da Marvel, era uma daqueles com direitos vendidos, mais precisamente para a New Line, que, na verdade, desde 1997 era um braço da Time Warner (e em 2008 passou a fazer parte da mesma). Isso mesmo, a “mãe” da DC, praticamente, colocou a Marvel no jogo.
Não só entrou no jogo, como percebeu que, muitas vezes quanto menor a expectativa mais fácil o resultado dar certo. Uma decisão que, para a Marvel, acabou acertada, mas também foi movida por uma total falta de opção. Durante os anos 90, com suas vendas estourando (e a DC desesperada, matando o Superman, colocando o Batman em uma cadeira de rodas e tornando o Lanterna Verde um vilão!) seu carros chefes estavam nas páginas de um certo grupo de mutantes e do “amigão da vizinhança”. Ambos com direitos vendidos para a Fox e Columbia (respectivamente). Então, nada de X-Men e Homem Aranha para a Marvel.
Pior ainda, durante uma década a Marvel ganhou bastante dinheiro enquanto Fox, Columbia e New Line faturavam muito (mas muito mesmo!) levando seus personagens para as telas do cinema. Só a a primeira faturou em torno de dois bilhões com seus três X-Men, um Demolidor, dois Quartetos Fantásticos e ainda um Wolverine, e tudo com um investimento de produção de nem metade disso. É lógico que os números são mais complexos e seria preciso levar em conta custos de marketing e mais um monte de “poréns”, mas o ponto central é único: Ele ganharam muito dinheiro.
Já do lado da Sony, dona da Columbia, em apenas três Homens-Aranha e um Motoqueiro Fantasma entraram para seus cofres algo em torno de dois bilhões e meio (com um gastinho mixuruca de mais ou menos 800 milhões). É lógico que enquanto isso a Marvel deve ter ganhado muito dinheiro com gibis, bonequinhos e outras bugigangas, mas deixar de levar além disso mais três bilhões de dólares deve ter feito seus acionistas não pregarem o olho.
Mas voltando ao Goyer e DC. Do lado de lá, vendo os personagens da Marvel nos outdoors, cartazes, lancheiras e cuecas, a única opção era aproveitar o cara que tinha dado o ponta-pé inicial nisso tudo (afinal ele já trabalhava para a Warner mesmo!) e dar nova vida à seu personagem mais rentável. Mas dessa vez o papo era sério e para fazer isso tomar um rumo interessante, nada melhor do que dar na mão de alguém mais sério ainda: Christopher Nolan.
Goyer então assinou o texto de Batman Begins com esse diretor inglês que tinha ficado famoso por ter feito um filme que era contado de trás para frente (Amnésia) e apostado em Robin Williams como uma maníaco no Alasca (em Insônia). Um passado robusto para um personagem que precisava de seriedade depois de ser tão maltratado por Joel Schumacher.
E foi nesse cenário que se deu a maior das batalhas dessa guerra, que não ditou o sucesso de um dos lados, mas entrou para a história: o ressurgimento do Cavaleiro das Trevas.
Das Trevas à Luz
Batman Begins custou em torno de 150 milhões, Nolan e Goyer criaram um novo mito em Gothan City, o filme era sombrio, os personagens eram pesados e à todo tempo um pequeno e transparente véu de realidade cobria toda a fantasia. A DC ditou o que o resto deveria fazer, e o golpe foi tão grande que feriu até o fraco Superman Returns, justamente por tentar fincar demais o pé no chão.
E em meio à isso a Marvel então conseguiu colocar em prática algo que já devia estar tramando a muito tempo: Seu próprio filme. Sendo forçada a esquecer seus principais personagens e obrigada a “seguir” os rumos ditados pela DC, surpreendeu a todos com seu Homem de Ferro. E ai sim a guerra teve início.
A Marvel tinha pouco dinheiro (140 milhões) para fazer um filme centrado principalmente em seus efeitos especiais (afinal era um cara em um armadura que voava), então apostou naquilo que até hoje faz a grande diferença: seus fãs e muita criatividade. Criatividade, principalmente para saber na mão de quem dar seus projetos, e as fichas foram parar no colo de John Favreau, que para o grande público era um coadjuvante gordinho do Vince Vaugh, que tinha participado da série Friends e posado de melhor amigo do Demolidor no desastroso filme de 2003.
Favreau já tinha até dirigido entre alguns filmes independentes, a divertida ficção científica Zathura (vulgo “Jumanji no espaço”) e agora a Marvel lhe dava “carta branca”. Tanto para ele quanto para (o ex-problemático) Robert Downey Jr., sumido dos grandes filme por uma década e agora com a oportunidade de dar a volta por cima. Já do lado dos fãs, bom… era só contar a história do melhor jeito possível e enfiar uma dúzia de “easter eggs” que eles iriam lotar os cinema. E lotaram.
Mas Downey Jr. em um de seus melhores trabalhos, Favreau divertido como nunca e o escudo do Capitão América jogado em um canto não eram suficientes. Após o fim dos créditos, Samuel L. Jackson (esqueça Hasselhoff!) e seu tapa-olho, tinha que falar em Vingadores.
Pior ainda, Vingadores prometia ser o resultado direto de mais quatro filmes que viriam na sequência, todos entrelaçados por referências cruzadas, personagens, apostas na direção e a sensação de estar frente a frente com uma experiência completa. Um filme tão grande que usava cinco outros como introdução para seus personagens. Mas isso estava guardado para o futuro, antes disso a Marvel ainda seria obrigada a tomar uma verdadeira surra quando a DC decidiu então fazer um filme, e não uma adaptação dos quadrinhos.
Batman – O Cavaleiro das Trevas também chegou aos cinemas em 2008, como um tapa na cara da Marvel e a impressão que a maior batalha dessa guerra não teria mais como ser vencida. Nolan (Goyer participou da ideia do roteiro) apostava então em um épico urbano, um filme policial sobre um psicopata que assolava uma cidade e um herói perdido dentro desse caos, tendo que ir até seus limites para impedir essa loucura. Cavaleiro das Trevas fugiu de ser uma das melhores adaptações de quadrinhos para se tornar um dos melhores filmes das últimas décadas. E isso, principalmente, pois só tinha a preocupação de ser ele mesmo, sendo que até de seu predecessor (Begins) ele, não só fugiu, como o diminuiu a quase um “bat-filmeco” (ainda que ótimo).
Há Vida pós Cavaleiro das Trevas
O tapa na cara acordou a Marvel, ou pelo menos lhe permitiu ter a certeza que o caminho a ser seguido podia compensar a perda dessa batalha. Em seis anos que se passaram desde Homem de Ferro e O Cavaleiro das Trevas” chegaram aos cinemas, não só Vingadores se tornou a a terceira maior bilheteria da história do cinema, com a Marvel emplacou mais seis sucessos de bilheterias. Todos a um custo de menos de 200 milhões e com renda de, pelo menos, o dobro disso (a maioria o triplo).
E pior ainda (para a DC) de todos esses filmes, o mais “esculhambado” pela crítica e público (em termos de qualidade), Homem de Ferro 3 (que só eu gostei!) custou exatas duas centenas de milhões de dólares e tirou das bilheterias 1,25 bilhões (curiosamente, mais até que o Cavaleiro das Trevas, único filme da DC ao lado de sua sequencia, Ressurge a ultrapassar a barreira dos nove dígitos).
Somente os primeiros Capitão América e Thor ficaram abaixo dos meio bilhão, isso enquanto a DC apostou no hypado Zack Snyder para dirigir o complexo Watchmen, e fez um filmão. Mas a adaptação do (para muitos) maior quadrinho da história deu prejuízo, ainda que tenha servido de “cartão de visita” para que Snyder “ganhasse” o principal bastião da DC e comandasse Homem de Aço, que fez o triplo de seu custo, mas não conseguiu nem ao menos ultrapassar a sequencia de Capitão América. Mas é lógico que a questão não pode ser resumida em números de bilheterias, e é ai que entra Guardiões da Galáxia.
Para o Infinito e Além
Ainda que seus heróis sejam terrenos e Batman Begins tenha ditado lá atrás as regras que “fincavam” os pés dos heróis no chão, o ponto de partida da DC nos quadrinhos sempre foi a história de um extraterrestre, enquanto a Marvel nunca conseguiu viver sem raios cósmicos, jóias galácticas, deuses e cubos cósmicos. Do mesmo modo que para juntar seus principais heróis no cinema (tanto nos Vingadores, quanto na Liga da Justiça), chegaria a hora em que ambos teriam que encarar o infinito e além.
Mesmo tendo sido lançado antes de Homem de Aço, a grande aposta cósmica da DC sempre foi Lanterna Verde, enquanto a Marvel, mesmo resvalando no espaço com Thor e com o final de Vingadores, sabia que sua saída do planeta estava marcada para Guardiões da Galáxia. E aqui uma pequena volta ao tempo lá para o meio desse mesmo texto, na pequena comparação entre Christopher Nolan e John Favreau, já que a Marvel continua em busca de seus “Favreaus”, enquanto a DC não percebeu que só existe um “Nolan”.
Lanterna Verde, com toda sua pompa galáctica, personagens simpáticos, vilões monstruosos e uma tropa inteira de extraterrestres cheios de personalidade, foi parar nas mãos de Martin Campbell, conhecido por ter revitalizado James Bond em seu Cassino Royale (além de ter dirigido Goldneye) e ter vindo do pesado e dramático Além da Escuridão. Campbell não tinha nem um pouco do senso de humor e diversão para encarar essa tarefa, ainda que seu nome pudesse chamar a atenção de parte do público.
Do outro lado, a Marvel entregou seu segundo Thor para Alan Taylor, que vinha dirigido a série Game of Thrones, seu Soldado Invernal para os irmãos Anthony e Joe Russo (que você não sabe quem são, por que trabalhavam na comédia da TV Community) e, enfim, sua grande aposta galáctica para “um tal” de James Gunn, que tinha no currículo apenas os divertidos Seres Rastejantes e Super. Resumindo, um grupo de gente que, junto com Favreau e o próprio Joss Whedon (de Vingadores), fez muita gente não fazer a mínima ideia quem eram aquelas pessoas.
É lógico que ter um percepção maior de um cenário mais amplo ainda de onde tudo pode chegar ajuda a criar essa união, coisa que a DC só começou a ensaiar agora, mas é esse “desprendimento” que mais parece ser o acerto da Marvel. Muito provavelmente Gunn tivesse aceito dirigir Lanterna Verde, mas em hipótese alguma alguém acharia que a DC (e a Warner) apostariam algumas centenas de milhões de dólares nas mãos de um qualquer. Para Campbell, aquele então era apenas mais um trabalho, para Gunn, Russo, Taylor, Favreau e Whedon aqueles eram os trabalhos de suas vidas dentro do cinema.
Caras novos, cheios de vitalidade e ideias na cabeça. Caras como Gunn, que não tem o menor receio de rir de seu próprio Guardiões da Galáxia, já que sabe que esse é o único jeito de passear com seus espectadores por um lugar novo, cheio de vida e que ainda será muitas vezes visitado. Ao contrário do espaço sideral do Lanterna Verde, que mais parece uma pedra jogada no meio da galáxia, Gunn vai buscar inspiração em uma “galáxia muito distante”, com seus caçadores de recompensa, pilotos de nave rabugentos com companheiros monossilábicos (nesse caso três palavras, e sempre na mesma ordem), e um monte de gente de várias cores, tamanhos, e tipos.
Três décadas depois da DC trazer de Krypton seu mais famoso filho e levá-lo para os cinema, a Marvel sai então da Terra, chacoalha com o espaço, fecha um ciclo (ou uma guerra) e mostra para a DC que se sair das ruas de Gotham já dá um baita trabalho (Metrópoles toda destruída que o diga!) se quiser viajar pela espaço agora precisa pedir permissão para os Guardiões da Galáxia.