Se você passar muito os créditos de Babadook, lá no finalzinho vai encontrar o nome de Danny Phillippou, que decididamente não ficou famoso por ter sido “casual electrician” desse sucesso cult de 2014. Ele e seu irmão gêmeo Michael ficaram mundialmente famosos agora, com o terror Fale Comigo.
Mas o que os dois filmes têm a ver além de serem terrores filmados na Austrália e de ter Phillippou nos créditos? Ambos se tornaram um hype gritado aos quatro cantos da bolha do gênero antes de chegar em qualquer lugar e serem vistos pelo público geral. Os dois ainda chegam como salvação do gênero em tempos que o terror nem sequer precisa de ajuda. Mas são “ossos do ofício”.
O problema é que Babadook tinha algo a dizer, Fale Comigo praticamente não tem. Isso, por mais que a fila de admiradores vá se matar para colocá-lo em uma posição de genial e único, mesmo sendo nada genial e muito menos único. Talvez seja só um filme de terror eficiente e que está um pouco acima da média. O que deveria ser o suficiente. Mas não é.
Em tempos onde o meio termo parece jogado em um limbo quando o assunto é arte, não ser o melhor quase sempre coloca essas obras entre as piores. Mas isso é um problema geracional e Fale Comigo não deveria ser prejudicado por isso. Pelo contrário, seu mediano é bem-feito e poderoso o suficiente para ele ser citado entre os melhores do ano no gênero, mas nunca um melhor tão melhor que ninguém chega perto.
Mas Fale Comigo não tem culpa disso e muito menos seus realizadores. A direção fica a cargo dos irmãos, mas a ideia parece vir do próprio Danny em parceria com Bill Hinzman e Daley Pearson, trio de roteiristas que dá vida à trama. E com certeza é ela que carregaria o filme mesmo sem o bom trabalho dos diretores.
A premissa é nova e deve chamar a atenção dos fãs. Uma mão que parece ser feita de algum tipo de gesso toda escrita de modo errático e caótico, mas que vem com um poder, o de ligar o mundo dos vivos com o dos mortos. Por 90 segundos no máximo os vivos pode segurá-la e obterem respostas e serem possuís por essas almas. É lógico que em algum momento um grupo de amigos extrapola essas regras e um monte de coisas dão errado.
No foco de tudo está Mia (Sophie Wilde), uma jovem que perdeu a mãe recentemente e acaba vendo na mão a possibilidade de ultrapassar essa barreira entre os vivos e os mortos. Uma ideia que demonstra o quanto o roteiro tem controle completo de suas ideias, já que entende que um bom filme de terror só funciona quando seus personagens/vítimas são personalizados e o espectador tem a oportunidade de se aproximar deles de modo delicado.
Portanto, sem pressa e muito antes do primeiro susto ou aparição, Fale Comigo tenta entender Mia e toda sua dinâmica, suas dores e suas motivações para se permitir ser uma clássica personagem de filme de terror, com as burradas e péssima decisões envolvidas para o bem-estar da trama. Cobrar o a história de qualquer coisa além disso seria pretensioso.
Os jovens fazem uma burrada, os espíritos pouco simpáticos decidem atazanar a vida de Mia e então Fale Comigo se torna uma mistura de filme de fantasmas com possessão. Nada contra nenhum dos dois subgêneros, mas é preciso se manter perto dessas intenções antes de se perder no vazio dos elogios supervalorizados.
A direção dos Pillippou pega então essas referências e faz um baita de um filme competente que não aposta nos sustos, mas sim no clima e nas esquisitices. Seu gore é explícito, mas também nunca deixa o filme refém disso, como se sua câmera soubesse que deixar o espectador olhando para aquelas cenas é o que todos querem, mas deixar a câmera ligada alguns segundos a mais é o que o tornará diferente dentro do mar de mesmices.
Isso tudo com uma câmera que sabe se comportar de modo moderno e cheio de estilo. Não adianta mais tratar subgêneros tão clássicos com referências que todos já conhecem. Com isso obviamente em mente, a direção de Fale Comigo tem cara de nova e com movimentos que aceitam os tempos mais modernos (leia aqui, voando e pulando para os lugares). Por outro lado, sabe equilibrar isso com composições que fazem da falta de movimento o desespero do espectador.
Esse dinamismo em parceria com o roteiro interessante, com certeza faz de Fale Comigo um exemplo de filme de terror que não quer ser só mais um na lista de filmes de terror do ano, mas sem óbvias pretensões de ir além disso. Principalmente quando as camadas descascadas por ele não se permitem ser muito mais profundas do que aquilo que está na tela. As surpresas estão por lá, mas seus significados e subtextos não permitirão que Fale Comigo seja muito mais discutido além de seu terror e de suas ideias. É óbvio também que a possibilidade clara de uma mitologia por trás da tal mão também trará atenção, mas nunca nada além disso.
Babadook tinha essas intenções, assim como coisas nos últimos anos como Corrente do Mal e até o remake de Candyman. Todos com coisas a dizer além do terror. Mas isso não desabona Fale Comigo, só não permite que ele seja todo o hype que muitos, na exagerada vontade de emplacar suas opiniões, o coloquem em um lugar de onde, talvez, nem ele se sinta confortável de estar.
“Talk to Me” (Au/UK, 2023); roteiro de Danny Philippou, Bill Hinzman e Daley Pearson; escrito por Danny Philippou e Michael Philippou; com Ari McCarthy, Jayden Davison, Sunny Johnson, Sophie Wilde, Marcus Johnson, Joe Bird, Jett Gazley, Alexandra Jensen, Miranda Otto, Zoe Terakes e Chris Alosio.
SINOPSE – Uma misteriosa mão de cerâmica abre um portal entre o mundo dos vivos e dos mortos, e vira uma sensação entre um grupo de jovens, o que coloca uma garota em perigo quando essa brincadeira dá errado.