Depois do Ford, da Ferrari, do Macdonalds (com aquele filme com Michael Keaton que ninguém lembra o nome), do tênis do Michael Jordan e até do Tetris, é hora do salgadinho sabor pimenta que virou mania nos Estados Unidos. E não se surpreendam se descobrirem duas coisas: que esse salgadinho existe e que Flamin´ Hot: O Sabor que Mudou a História talvez seja o mais divertido de todos esses outros filmes citados.
O filme é baseado na história real de Richard Montañez, um faxineiro da Frito Lay (marca de salgadinhos da Pepsico) que inventou um tempero cheio de pimenta e conseguiu, com isso, emplacar o sabor dentro da marca, o que o levou a uma carreira de executivo dentro da empresa. Isso porque o salgadinho vermelho e ardido virou uma mania nos Estados Unidos (no Brasil nunca conseguiu emplacar).
De qualquer jeito, não importa o salgadinho, o filme é sobre Montañez e isso é o que faz dele um passatempo sincero, emocional, simpático e que sabe exatamente seu tamanho. Não tenta ser um transformador de mundo, mas sim contar essa história sobre um cara que venceu na vida, mesmo tendo todas oportunidades para o contrário.
O filme também poderia ser um desastre nas mãos erradas, já que sem o devido cuidado se afogaria em preconceitos diversos, mas aqui o que acontece é o contrário. Flamin´ Hot é conduzido de fora para dentro por gente que entende do assunto “ser mexicano”. E isso dá uma cor e um sabor diferente, junto com um senso de humor que se encaixa perfeitamente bem dentro da ideia toda.
O roteiro, baseado no livro do próprio Montañez, fica nas mãos do experiente Lewis Colick (O Céu de Outubro e Brigada 49) com Linda Yvette Chávez. Mas a estrela dos bastidores talvez seja a direção de Eva Langoria, atriz de raízes mexicanas e famosa por Desperate Housewives, mas só em seu segundo longa de ficção.
O trabalho da diretora é preciso, direto e entende perfeitamente bem o ritmo do roteiro, tanto nos momentos mais delicados e emocionais, quanto no bom humor, que praticamente guia a história.
Uma narração sem pretensões de ser isenta é toda dita pelo próprio Richard, vivido pelo ótimo Jesse Garcia. Não existe pretensão de contar uma daquelas histórias sérias e que elevam seu protagonista a uma posição de herói. Richard é falho, tomou um monte de atalhos que o colocaram em um lugar de clichê e marginal dentro da sociedade. Mas sabendo que não era esteriótipo, mas sim se encaixava nele por ser a única coisa que enxergava como opção.
Além da sensibilidade de lidar com a mexicanidade do personagem com sinceridade e uma realidade cruel em alguns momentos e divertida em outros, o filme usa sempre isso para mostrar o quanto a “visão branca” da sociedade coloca essas pessoas de outras etnias em lugares tão padronizados e presos a essa opressão que nem elas conseguem sair, ou até enxergar isso. Flamin´ Hot até é sobre o salgaginho, mas vai além, tenta ser também sobre essas pessoas e o quanto elas existem.
Parece profundo e panfletário… e é, mas de um jeito que não deixa que nada seja sequestrado por essas ideias. Todas ideias e questões importantes têm espaço suficiente para respeitarem suas importâncias, ao mesmo tempo que compõe, realmente, a trama. Sem elas a história seria só vazia e frágil, com elas, se torna importante e com uma mensagem a ser passada e refletida.
É justamente por toda essa dinâmica funcionar tão bem na absoluta maioria do filme que soa até esquisito o meio para o final dele perder parte dessa vontade de ser leve e eficiente para construir algumas soluções que caberiam em algumas aulas ruins de algum coach frustrado e repetitivo.
Talvez seja o único jeito de fechar as pontas soltas e rumar para o final feliz, mas, ainda assim, o filme não lida bem com o protagonista herói, preferindo sua versão humana, insegura e até meio destrambelhada, mas que mostra o quanto é possível manter tudo isso e ainda ser quem sonha ser e realizar tudo aquilo que sempre quis.
Flamin´ Hot é mais um daqueles filmes sobre pessoas bem-sucedidas por trás de marcas ou invenções que mudaram o mercado, mas resolve fazer isso caminhando, literalmente, pelo chão da fábrica enquanto encontra e olha nos olhos daqueles que, praticamente são relegados a figuração em todos aqueles outros filmes citados no primeiro parágrafo.
Talvez o salgadinho não seja tão gostoso assim para paladares menos, digamos assim, “mexicanos”, mas ainda assim permitiu que sua história fosse, tanto sobre o Richard Montañes, como também por um monte de outros “Richards” por ai, inviabilizados, invisíveis e esquecidos. Talvez um chamado para que possa ser mudado. E isso já vale o filme.