Mesmo com todo cuidado e capricho, a grande verdade é que os dois primeiros filmes do Hellboy, aqueles dirigidos pelo Guillermo Del Toro, tinham uma certa vontade de se distanciar do clima do personagem nos quadrinhos pelo bem do público no cinema. O terceiro filme (de 2019) vai pelo outro caminho, se aproxima demais das HQs, para o delírio dos fãs, mas o filme é só ruim e bagunçado. Mas com certeza a culpa não é dos gibis. Hellboy e o Homem Torto prova isso.
Mas isso não quer dizer que esse quarto filme satisfará aqueles públicos lá dos primeiros filmes, talvez nem queira. Principalmente, pois, ao que tudo indica, absolutamente ninguém que se divertiu com os dois filmes iniciais se interessou em mergulhar no personagem nos quadrinhos e entender as verdadeiras intenções de seu criador, o roteirista e desenhista Mike Mignola.
A esmagadora maioria das histórias do personagem, que nunca teve uma série regular e sempre foi lançado através de especiais fechados e minisséries, se aproxima muito mais de O Homem Torto do que de qualquer outra inserção do “Vermelhão” nos cinemas. São sempre histórias que se fecham naquela trama, com o mais famoso agente da B.R.P.D. em uma missão ou simplesmente vagando por aí e encontrando o sobrenatural. Sempre com doses cavalares de folclores e lendas das mais diferentes regiões do mundo, muito terror e o herói descendo porrada em tudo que vê pela frente.
O herói de Mignola não é bem um herói. Mais ainda, está quase sempre descobrindo estar no lugar errada e na hora errada, mas como já passou por muita coisa e enfrentou muitas maluquices, sabe como lidar com a maioria das criaturas que ele tiver que encarar. É assim que começa esse novo filme, com o final de uma missão onde Hellboy (agora vivido por Jake Kasy) e sua parceira Bobbie Jo (Adeline Rudolph) acabam perdendo uma perigosa aranha com poderes psíquicos. Mas o filme não é sobre ela e sim sobre o ser que dá nome ao filme.
Na verdade, antes dele chegar na história, o filme é sobre bruxas. Na verdade sobre Tom Ferrel (Jefferson White), um cara que a dupla encontra depois de descobrirem que o filho de uma família que mora no meio de uma floresta está enfeitiçado por uma bruxa. Ferrel parece saber tudo sobre a história e a tal bruxa, e parte com Hellboy e sua parceira para encontrarem a tal mulher. Que os levam até o Homem Torto.
O roteiro escrito pelo próprio Mignola em parceria com Christopher Golden (que já escreveu história o personagem nas HQs) e com o próprio diretor Brian Taylor é contido e objetivo, tanto por estar tão próximo da história original (uma minissérie em três edições), quanto por ter uma intenção muito clara de ser um pequeno e divertido filme de terror. Talvez o orçamento baixo tenha também ajudado eles a escolher uma história desse tamanho, mas o que importa é que ela funciona.
Mas também é preciso entender suas intenções antes de cobrar demais o filme. Ele é pequeno e não vai muito além de alguns poucos e eficientes momentos de terror enquanto Hellboy parece meio de saco cheio de ter que lidar com bruxas, zumbis e até o com o tal Homem Torto. Então a personalidade “blazé” dos quadrinhos está muito mais presente do que a espalhafatosa dos outros filmes anteriores. Isso é ótimo para o filme, que ganha camadas mais visualmente aterrorizantes enquanto não precisa disputar espaço com o ego do Vermelhão.
Para isso, Taylor foca no terror e na possibilidade de não desviar o olhar de coisas como um monte de pele sendo preenchido e até o vilão em todos seus escabrosos detalhes. Tudo bem, pensando bem, nada disso é tão “terror” assim, mas a câmera perto, o corte preciso e uma direção de arte caprichada, cria um clima interessante e que funciona. Hellboy e o Homem Torto não é um grande terror, mas é um terror que funciona como aquele filme do gênero para ver no escuro e ser pego, muito mais pela ideia do que pela realização final.
Talvez a culpa disso seja a proximidade com que ele trabalha o material original. Em certos momentos é como se o filme estivesse usando o gibi como inspiração direta, tanto em termos de imagem, diálogo e narrativa, algo que nem sempre funciona tão bem assim. Principalmente, quando o quadrinho é absolutamente muito mais rápido e corrido e faria o filme terminar uns 20 minutos antes de seu final. Mas quem não conhece a história no papel, talvez nem perceba isso, mas vai achar estranho esse caminho meio, digamos assim, “curto”.
É como se a história toda coubesse em algumas horas da vida dos envolvidos e três ou quatro cenários, sem envolver o mundo e nem muito mais gente do que uns quatro ou cinco personagens. Que até termina com uma cena de ação divertida, mas é meio anticlimático. É como se tivesse sido pensado para ser uma minissérie divertida e que não arranca muito tempo do leitor, ou nesse caso, espectador… que é exatamente o que o material original é, e é isso que o faz tão interessante e imperdível para quem quer mergulhar nos quadrinhos criados por Mike Mignola.
Talvez Hellboy e o Homem Torto seja a prova de que é preciso encarar o personagem em um novo formato, quase enlatado, com um “monstro da semana” e produções muito menos rebuscadas e sem pretensões de bilheteria. Talvez assim, o verdadeiro Hellboy dos quadrinhos tenha chance de voltar a ser reconhecido como um ícone pop que ele merece. Sua passagem pelas mãos de Guilhermo de Toro fez do personagem algo maior do que o tamanho de suas histórias originais conseguem lidar, então, para manter o personagem vivo, é preciso dar um passo para trás.
Hellboy e o Homem Torto é esse “passo para trás”, mas talvez “para trás” demais, o que pode deixar o Vermelhão mais longe dos fãs do personagem no cinema. Mais perto dos fãs dos quadrinhos, mas mais afastado de um futuro mais prolífico para o personagem nas telas. Uma corda bamba difícil de se equilibrar.
“Hellboy: The Croocked Man” (EUA/Ale/UK); escrito por Christopher Golden, Mike Mignola e Brian Taylor; dirigido por Brian Taylor; com Jack Kesy, Adeline McNamara, Jefferson White, Joseph Marcell, Hannah Margetson e Martin Bassindale
1 Comentário. Deixe novo
O filme é ótimo! Melhor que os anteriores. E o verdadeiro Hellboy.