Esqueça o filme dirigido por Guillhermo Del Toro, esse novo Hellboy não precisa de ninguém para ser ruim sozinho. Isso acontece, justamente (e curiosamente), por tentar fazer uma história muito mais próxima do incrível material original de Mike Mignola.
O novo Hellboy, dirigido pelo inglês Neil Marshall, é diretamente inspirado pelas HQs, só não entende que, antes de qualquer coisa, deveria ser um filme. Entrecortado, episódico, anticlimático e estabanado, o novo filme do personagem da Dark Horse Comics é um desastre em tantos sentidos que fica difícil até valorizá-lo com suas qualidades.
Talvez conte uma trama grande demais para ele. O problema é que ela é boa, mas é jogada na tela de um jeito tão desleixado que é impossível não se irritar. Andrew Cosby, em seu primeiro longa, assina uma história que tenta abraçar coisa demais e acaba não contando história nenhuma. É lógico, a história está lá, mas nunca com a força que ela merecia.
Primeiro Hellboy vai até o México para resgatar um antigo companheiro de BPRD (sigla origina de Agência de Pesquisa e Defesa Paranormal), mas isso pouco importa, o destino da história é na Inglaterra, onde ele participa de uma caçada a gigantes com um grupo de ricaços centenários… tudo bem, isso também não importa, já que o filme fala da volta à vida da Rainha de Sangue (Milla Jovovich), que pretende fazer com que a Terra seja tomada por hordas de criaturas demoníacas e só Hellboy poderá impedir isso de acontecer (agora sim!).
Curiosamente, nas HQs, tudo isso faz parte de um grande arco formado por três mini-séries, Clamor das Trevas, Caçada Selvagem e Tormenta e Fúria. Mais um menos umas 400 páginas que recorrem a mais de 10 anos de mitologia do personagem para fechar uma fase de Hellboy. Fazer todas essas referências e possibilidades se transformarem em um filme de duas horas seria digno dos grandes roteiristas, o que, definitivamente, não é o caso aqui.
O texto de Cosby vai pulando pelas histórias como se estivesse comandando uma série de TV, ao mesmo tempo que precisa correr para que tudo caiba na duração do filme. O resultado é algo que beira a esquizofrenia narrativa, onde tudo parece surgir de lugar nenhum e se ligar ao resto sem nenhum esforço conceitual. É difícil acompanhar as evoluções dos personagens dentro da história, já que eles precisam passar tempo demais explicando tudo para o expectador com algum flashback que tenta mostrar o quanto aquilo é importante dentro da trama.
Portanto, ninguém se importa muito com o que está acontecendo, já que não entende direito como aquilo chegou até ali. E quando a trama chega até o real papel do personagem dentro de uma das mitologias mais importantes da Inglaterra, não existe preparação ou cuidado para que aquilo soe minimamente coerente. Por mais que Nimue tenha sua origem ligada à espada Excalibur, sua conexão com Hellboy beira a total loucura narrativa e você tem que acreditar em um fiapo de trama como se aquilo fosse uma reviravolta incrível. Não é.
Curiosamente, o outro lado da equação não parece fazer nada a respeito para que isso tudo se torne um material minimamente interessante. Neil Marshall dirige o filme com uma mão pesada e que não consegue equilibrar sequências divertidas com opções estéticas que beiram o ridículo.
Para quem não ligou o nome à pessoa, Marshall começou a carreira com dois “clássicos cults” do cinema de terror, Cães de Caça e Abismo do Medo, mas por mais que tenha ficado por trás das câmeras em muitas séries de TV nos últimos anos (Black Sails, Game of Thrones, Westworld e até Constantine), comandou os horríveis, Juízo Final e Centurião, que servem como protótipo visual de Hellboy. Há neles um ar de filme de baixo orçamento que surge em Hellboy e detona qualquer experiência. Em ambos os três existem momentos que você duvida até que estejam sendo dirigidos por um cineasta profissional.
Por mais que Marshall consiga colocar sua câmera no lugar certo, contando a história, parece que, na maioria do tempo, ela não está lá para melhorar a experiência do espectador, mas sim apenas para que os personagens leiam as linhas do roteiro ou façam a ação. Em alguns momentos se deixa até levar por composições monótonas que dão sono. A sequência da caça aos gigantes pode até ser lembrada pela luta com os monstrengos, onde a câmera prefere não cortar a ação, mas o que vem antes é de uma completa falta de interesse visual onde o esforço para fazer com que aquilo pareça importante para a história parece tão desesperados que cansa.
E o desastre só não é completo, pois a equipe de efeitos especiais consegue caprichar no visual dos personagens e, principalmente, dá aos fãs dos quadrinhos a oportunidade de conferir na tela tudo aquilo que foi pensado pelo genial Mike Mignola. Curiosamente, quem menos funciona é o próprio Hellboy. Um pouco realista demais, a ideia da limpeza estética do original se perde com pelos, aparas e texturas, tentando trazer para o “mundo real” um visual que não precisar desse cuidado conceitual, tornando-o então muito menos interessante do que poderia ser (e sim, essa é uma comparação com o Hellboy de Del Toro).
E falando em “mudanças”, sai de cena Ron Pearlman e seu enorme queixo e entra o simpático David Harbour (da série Stranger Things), que tem pouco material para trabalhar e até consegue emprestar seu jeito para o personagem, mas as piadas, observações divertidas e motivações do herói, nunca se permitem ser interessantes o suficiente para qualquer espectador se identificar com ele. Não falta mais do Hellboy das HQs, mas sim um pouco de um Hellboy que seja o resultado do esforço de Harbour e Marshall.
Mas também se isso desse certo, esse personagem fosse identificado pelo espectador, nada mudaria. Esse novo Hellboy é um desastre maior do que qualquer detalhe interessante que possa ser um acerto e salve essa fiel adaptação dos quadrinhos, mas que não consegue ser um filme.
“Hellboy” (EUA/UK/Bul, 2019), escrito por Andrew Cosby, dirigido por Neil Marshall, com David Harbour, Milla Jovovich, Ian McShane, Sasha Lane e Daniel Dae Kim.