Não é novidade nenhuma que o cinema brasileiro tenha descoberto um filão na religiosidade de sua população. Seja espírita com Nosso Lar, ou católico com Aparecida – O Milagre é só tocar no assunto Irmã Dulce  Posterque as filas se formam. Curiosamente ambos filmes citados acabam se apoiando apenas nisso para tentarem o sucesso, já que em termos de qualidade ficam aquém. Mas é mais curioso ainda que de todos esses, talvez o que melhor aproveite o assunto seja mesmo Irmã Dulce.

Curioso, pois assim como o Chico Xavier”de Daniel Filho, Irmã Dulce, mais que um filme religioso, é um filme sobre um personagem. E mais curioso ainda se levarmos em conta que pela primeira vez se dá um passo para trás e se encara a instituição religiosa como opressora que é. Em outras palavras, um filme onde o vilão é a própria igreja católica.

Ainda que de modo velado e sutil, o filme mostra de um lado uma freira de Salvador movida por uma vontade intrínseca de fazer o bem e ajudar os mais necessitados, isso enquanto do outro lado do cabo de guerra, sempre uma figura autoritária tenta cessar suas ações. Seja uma madre superiora, um político, ou até dois enviados pela igreja. Não vilões, mas sim representações de uma sociedade que não consegue lidar com o altruísmo puro e simples.

E esse talvez seja o elemento chave do roteiro de L.G. Bayão, focar seus esforços em um personagem maior que qualquer igreja, instituição política ou hierarquia, maior até do que ela mesma e seus interesses. Durante todo o tempo, Irmã Dulce só faz o bem, custe o que custar para ela e para qualquer um. E antes que isso possa se tornar um chatice bondosa, Bayão ruma para um fim apoteótico para celebrar a figura.

Irmã Dulce então é um filme curto, preciso e que passa num piscar de olhos. Percorre 60 anos da vida da personagem, se escora bem uma pequena linha central e um personagem que a acompanha durante esse periodo (João, que humaniza Dulce ainda mais, em sua busca por ajudá-lo) e acaba bem no momento que poderia ficar cansativo. Na tela o que se vê é apenas o sucesso e a força do “Anjo Bom da Bahia”.

Irmã Dulce Crítica

Um esforço que ainda é coroado com o trabalho sensível e forte do diretor Vicente Amorim (dos ótimos Corações Sujos e O Caminho das Nuvens), que não economiza ângulos rebuscados (contra-plongees e movimentos amplos) e muito menos tem medo de encarar nos olhos não só seus personagens, mas as mazelas e terrores desses que mais precisam de ajuda. Amorim penetra em suas almas com sua câmera e celebra a ótima fotografia de Gustavo Hadba (Faroeste Caboclo) e a beleza e competente recriação de época da direção de arte de Daniel Flaksman (que também esteve em Corações Sujos).

Infelizmente o que talvez seja o elo mais fraco dessa corrente acabe sendo o trabalho desempolgante de Regina Braga como uma Irmã Dulce mais velha. Burocrático e sem o menor esforço, Braga simplesmente entra no hábito e repete o roteiro. Uma falha que pula mais aos olhos ainda quando se dá conta que o melhor do filme é, justamente, o trabalho de Bianca Comparato como a jovem personagem.

Comparato encarna a freira de modo tão preciso que a ausência de semelhanças físicas entre ela e a figura real é completamente esquecida diante do esforço para captar sua dicção, seus trejeitos e seu andar. É um pena então que ela permaneça por menos da metade do filme na tela.

Uma pena também que, muito provavelmente, o filme acabe sendo vendido muito mais pelo seu lado religioso do que por suas qualidades, o que afastará parte dos espectadores, que fogem desse gênero já tão maltratado no cinema brasileiro. Mas uma coisa é certa, quem resolver entrar na fila de Irmã Dulce, seja católico, espírita, seguidor do candomblé ou de qualquer outra religião, vai dar de cara com um filme surpreendentemente fino, preciso e objetivo.


Idem (EUA, 2014), escrito por L.G. Bayão, dirigido por Vicente Amorim, com Bianca Comparato, Regina Braga, Gracindo Júnior, Zezé Polessa, Glória Pires, Irene Ravache e Amaurih Oliveira


Trailer de Irmã Dulce

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