[dropcap]T[/dropcap]em início a Quinta Mostra de Cinema Chinês em São Paulo, dessa vez homenageando e focando nas diretoras mulheres de um país fechado que merece ser redescoberto. O filme da abertura, por exemplo, este Lembre-se de Mim, Por Favor, é o último filme de Xiaolian Peng antes do seu falecimento. É uma pena que ela tenha se ido tão cedo, pois estaria neste evento, junto de sua colega, a diretora Liu Miaomiao (seu filme Flores Vermelhas e Folhas Verdes também será exibido na Mostra).
Membro da quinta geração de diretoras mulheres da China, Xiaolian Peng manteve a tradição coletivista cultural da Academia de Cinema de Beijing, mas destoa na narrativa, buscando evocar a individualidade e empoderamento de mulheres inseridas nesse contexto, além de um interesse/obsessão pela cidade de Shanghai. Dois de seus filmes mais famosos, Era Uma Vez em Shanghai e “Women’s Story”, refletem esses interesses da cineasta que permearam seu cinema ao longo da vida, seja no roteiro ou na direção.
Lembre-se de Mim, Por Favor acaba sendo uma espécie de antologia do cinema chinês que Peng participou. O filme evoca dois personagens populares para os cinéfilos: o diretor que não consegue parar de filmar e sua atriz, que não consegue parar de incentivá-lo. Juntos eles passarão por dificuldades morando em uma casa prestes a ser demolida, representando as mudanças aceleradas da economia chinesa e a crescente e frenética transformação dos horizontes das grandes cidades.
A antologia se constrói a partir do personagem do diretor. Documentarista por vocação, o personagem interpretado por Yiping Jia resgata a história do cinema chinês através de depoimentos dados por verdadeiros cineastas da época. Xiaolian Peng está interessada em contar uma história de elementos clichê subvertendo-os no processo, e o faz criando uma estética ainda crua, mas fascinante justamente por causa disso. Truques como refletir o passado em um espelho ou criar movimento através de uma sequência de selfies não são apenas elementos técnicos quando estão em um filme sobre a história do cinema.
Enquanto isso a atriz principal, a belíssima e cômica Wenjuan Feng, faz o que toda mulher acaba fazendo nos bastidores: ajudar o homem a se mexer. Ela protagoniza as cenas mais dinâmicas, representa o coração do filme e o espírito libertador das amarras da decadência. Enigmática em seus objetivos, a personagem de Feng está pronta para partir em um épico, como a cena da escada comprova, mas lhe falta substância para atuar.
Este é o típico filme que merece mais cortes. Ele pode transcender de homenagem para referência se algumas cenas fossem descartadas pelo bem do mistério e da ambiguidade. Se alongando em seu terceiro ato, com dois ou três finais, Lembre-se de Mim, Por Favor estica o pedido que faz no início pela memória do cinema além do razoável, não entregando um desfecho satisfatório para o casal do filme, preferindo torná-los representantes dessa inconclusão das mudanças no panorama da sétima arte chinês. Incomoda, mas não permanece em nossa memória.
A Quinta Mostra de Cinema Chinês apresenta nove filmes dirigidos por mulheres do dia 3 a 13 de outubro. Em sua maioria dramas, com pequeno espaço para aventura e família, é uma pequena janela que se abre pela quinta vez sobre o potencial cinematográfico de um país que cresce em todas as áreas em uma grandeza que desafia a lógica. É bom saber que as mulheres estão inseridas no processo.
“Qing Ni Ji Zhu Wo” (Chi, 2017), escrito por Xiaolian Peng, Jian Wang e Yuan Xu, dirigido por Xiaolian Peng, com Wenjuan Feng, Zongying Huang e Yiping Jia.