O formato da tela de Longlegs: Vínculo Mortal muda durante o filme em duas situações. Numa delas, um quadradinho pequeno com cara de 8mm. No outro, amplo, indo de lado a lado até das maiores telas. Mas a sensação de espremer seus personagens dentro das composições é a mesma. É difícil até respirar em Longlegs.
O flashback parece um fluxo de pensamento, na verdade um pesadelo qualquer. Com as pessoas sob um ponto de vista meio baixo e que parece não estar entendendo realmente o significado daquelas cenas. Quase como se o espectador estivesse bisbilhotando o inconsciente de alguém, buscando significados onde nada parece fazer nenhum sentido que não seja criar esse clima que dá vontade de desviar o olhar.
O responsável pelo visual, e também pelo roteiro, é Osgood “Oz” Perkins, filho daquele Anthony Perkins que dividiu a história do cinema entre antes e depois daquelas facadas no banheiro do Bates Motel. Psicose foi dirigido por Alfred Hitchcock, um dos maiores diretores da história do cinema, mas também um gênio em termos de composição de cenas. Para qualquer lugar que sua câmera olhasse, se chegava a um significado, uma vontade de contar uma história somente com aquele frame congelado. Perkins faz o mesmo, mas com mais terror.
Se seu flashback oprime, seu presente sufoca. É como se o tempo inteiro ele deixasse um espaço pronto para que os olhos do espectador encontrem alguma coisa que não era para estar lá. Como se desenhasse seu mundo através de uma espécie de espaço negativo que fosse carimbar aquilo na sua mente.
É com esse clima visual, onde o passado espreme e o presente cria um jogo mórbido com seu espectador, que Longlegs se torna essa mistura de Silêncio dos Inocentes e Seven com Hereditário e Corrente do Mal. Não que ele tenha algo a ver com os dois últimos em termos de trama, mas deles parece vir essa mesma intenção de ser surpreendido a qualquer custo, mas não com algum jump scare bobo e sim com uma trama que não para de montar um contexto que vai chegando mais e mais perto de um sobrenatural que parece realista demais.
Nesse caso, uma trama que nunca se permite cair de cabeça nesse lugar misterioso, mas não larga a mão dessa ideia. Seja pela protagonista que parece ter um sexto sentido esquisito, seja pela presença quase subliminar do próprio Satanás. Seja ainda mais pelas respostas dadas pela história no final dela. Mas é esse lado “sobrenatural” cutucando a realidade que transforma Longlegs em algo ainda mais poderoso e interessante (principalmente para os fãs do gênero).
Durante a esmagadora maioria do tempo, Longlegs é um suspense sobre a busca do FBI por um misterioso assassino que assina suas cartas deixadas na cena do crime como “Longlegs”. Aos poucos o espectador também vai desvendando a relação da protagonista, a agente Lee Harker (Maika Monroe), com uma estranha figura em seu passado. Mais do que isso, tudo também parece caminhar para algum tipo de relação satânica com forças maiores do que explicáveis.
E esses três pontos da trama vão se entrelaçando de modo orgânico, perturbador e poderoso. Quanto mais a história de Oz Perkins vai respondendo seus perguntas, mais vai chegando em um lugar que tem coragem de ser ele mesmo. Tudo com um ritmo absolutamente próprio e firme. Não existe pressa para ser mais do que ele realmente é. Essa experiência vai afundando o espectador em sua poltrona e deixando ele mais e mais desconfiado de que o único caminho para a trama tomar é aquele onde ele pula de cabeça no horror.
Os que se incomodarem com esse clima e essa lentidão… azar deles. Longlegs é exatamente aquilo que parece querer ser, sem nunca se perder em exceções para agradar ninguém que não seja aqueles fãs de filmes próximos a esse: Terrorzões que desgraçam a cabeça de seus espectadores com calma e precisão sádicas.
Parte desse efeito é o resultado direto de um roteiro que lapida a sua história com capricho e força. A protagonista não parece estar perdida, mas sim sempre no caminho correto, mas é como se ela estivesse sendo guiada por uma força que ela não quer aceitar. Por isso, todas dicas espalhadas pela trama, quando são resgatadas, chegam tão sutis quanto necessário para deixar o espectador colado na tela. A casa da mãe e a porta fechada na cozinha é absolutamente precisa. A festa de aniversário da filha do parceiro da protagonista é quase óbvia. O ponto de vista estático do flashback dos assassinatos é esteticamente precioso e deliciosamente tenso. No final, tudo se amarra de um jeito que satisfaz quem espera um final que conversa com todos lados da trama.
E é lógico que a força de Maika Monroe é importante para “colar” tudo isso. Já que ela nunca se deixa ser uma personagem frágil ou perdida, muito pelo contrário. Seu olhar parece perdido, mas ela sabe muito bem o que está vendo, ao mesmo tempo sem ser fria e nunca sem emoção. Aos poucos é como se ela fosse cansando, emocional e fisicamente. Quanto mais chega perto do entrelaçamento de seu passado com sua investigação, mais ela é sugada por essa dor. Parecendo não ter medo da figura demoníaca escondida nas sombras, mas sim de entender sua ligação com ela.
Mas é o outro lado dessa equação que deverá marcar mais os espectadores, ainda que seja fácil até não reconhecer Nicolas Cage por trás dele. Por razões óbvias, todo marketing do filme escode o Longlegs criado (vivido!) pelo ator, mas o resultado é impressionante. Talvez a palavra certa seja “assustador”… “pertubador”… é difícil dizer. Cage some completamente por trás do assassino que não é assassino, não só pela maquiagem, mas pelo olhar, pelo trabalho vocal e até pelo gestual. Não existe Nicolas Cage ali, apenas Longles. É claro que isso faz parte do famoso método de atuação dele (o “Nouveau Shamanism”), mas, ainda assim, é impressionante ver o resultado. Mesmo de relança, é como se aquela pessoa fosse um ser que está fora daquela realidade.
Por isso é tão importante o trabalho de Oz Perkins de “esconder” Longlegs. Em vários momentos, seja em um corte rápido ou em um posicionamento de câmera, o espectador não será apresentado a ele. Seu grande momento é de frente a frente, quando ele pode olhar diretamente para a câmera e ser o delicioso e completo maluco construído por Nicolas Cage para ser uma força da natureza, qualquer que seja essa natureza.
É dessa natureza violenta que nasce Longlegs. Um filme sobre um serial killer, que bebe em clássicos com serial killers que estão sempre um passo a frente dos agentes do FBI e detetives, mas com intenções de ir além, chegar nesse lugar do terror onde sangue, surpresas e satanás estão caminhando de mãos dadas com excentricidades e uma direção que não quer deixar seu espectador à vontade. Junte tudo isso e o resultado é um dos grandes filmes de terror que você verá, não só nesse ano, mas já há alguns anos.
“Longlegs” (EUA, 2024); escrito e dirigido por Osgood Perkins; com Maika Monroe, Nicolas Cage, Blair Underwood e Alicia Witt