Há menos tempo entre o primeiro Missão: Impossível (filme) e o oitavo, Acerto Final, do que entre esse filme de 1996 e a série de TV. Na verdade foram duas séries, uma que durou entre 1966 e 1973, que se tornou clássica, e um remake entre 1988 e 1990 que os fãs lembram, mas não fez muito sucesso. E isso não prova apenas que o tema musical de Lalo Schifrin se tornou um dos sons mais conhecidos da cultura pop, mas que talvez estejamos falando de produtos completamente diferentes e de como ele se adaptou bem ao seu tempo.
No meio dos anos 90, dirigido por Brian De Palma, o primeiro filme não só fazia referência a nomes e situações da série, como tentava, justamente, surpreender o espectador com a quebra do formato. O grupo de agentes da tal IMF não mais estava em uma missão “oficial”, mas sim tinham que provar a inocência de seu líder enquanto invadiam instalações de modo criativamente furtivo, ou ludibriavam seus inimigos.
Além de celebrar a séria e suas ideias, era como se colocassem um monte de gasolina aditivada no formato televisivo através de um orçamento que resultou em um sucesso de bilheteria gigantesco e caiu nos gostos desse novo público, muito mais sedento por cenas de ação enormes do que de reviravoltas e máscaras.
As reviravoltas e as máscaras continuaram aparecendo em todos outros filmes, mas quanto mais os próximos filmes se afastavam da série, mais eles ganhavas o status de serem sempre os filmes de ação do ano. Ainda mais depois que Tom Cruise decidiu que faria suas cenas de ação e a câmera dos diretores poderiam estar tão perto do astro que era impossível não empolgar sua plateia. É lógico que continuava sendo importante as invasões criativas e surpresas, mas se elas não acontecessem no alto do maior prédio do mundo ou em qualquer outro lugar perigosamente exótico, era melhor que não existissem. O que leva a Acerto Final.
O filme é uma continuação direta de Acerto de Contas – Parte 1, onde a IA Cibernética psicopata, A Entidade, praticamente venceu o primeiro round com a “ajuda” do vilão vivido por Esai Morales. Não bem uma “ajuda”, já que ele agora continua tentando controlar a IA, que agora tomou conta de tudo e criou um caos social completo no Planeta através da manipulação de informações e do esforço para controlar o arsenal nuclear das maiores potências bélicas da Terra. Sobra então para Ethan Hunt (Cruise), “caso ele aceita a missão”, encontrar um jeito de desligar a Entidade enquanto ela ganha cada vez mais personalidade nos momentos que “troca ideia” com o protagonista.
Mas isso não importa muito. Christopher McQuarie volta na direção e no roteiro (esse com Erik Jendresen, também do último filme) e sabe tudo que deve fazer para que você não perceba que está entrando de cabeça em uma trama tão “estapafurdicamente” construída e sustentada por um McGuiffin maluco. Em uma escolha de elenco incrível, Acerto Final coloca uma quantidade muito boa de ótimos atores e atrizes para explorarem essas linhas com diálogos expositivos como se aquilo fizesse algum sentido só para deixar o espectador respirar entre uma cena de ação e outra. E isso funciona bem demais!
Afinal, a evolução da série para o cinema deixou de ser qualquer coisa ligada à série ou a seu filme original, seus fãs só querem ação desenfreada e que finge fazer sentido dentro de uma trama sobre qualquer coisa. Bem antes de Hitchcock cunhar o termo em Os 39 Degraus, o McGuiffin já era o Santo Gral da Távola Redonda, o Velo de Ouro de Jasão e o Falcão Maltês do filme homônimo, assim como vem sendo a força motriz de Missão: Impossível desde o “Pé de Coelho” no terceiro filme (que é lembrado nesse oitavo e quase deixa de ser um McGuffin!), portanto, é até divertido tentar encontrar um mínimo de bom senso nessa trama, mas o que importa mesmo é a ação e a correria. Se possível os dois juntos.

Por isso, mesmo com McQuarrie sendo um daquele tipo de cineasta que consegue valorizar visualmente até o menor dos planos, Acerto Final tem muito mais que isso. Seu ritmo é de uma precisão incrível graças a uma montagem que entende completamente bem absolutamente todas necessidades do filme e casa bem demais com as decisões plásticas do diretor. Eddie Hamilton faz talvez seu melhor trabalho de montagem desde sua participação no primeiro Kingsman, e isso é a principal arma desse Missão: Impossível.
O bom trabalho conjunto dos dois faz com que diversas vezes durante o filme tudo aconteça ao mesmo tempo, mas com um capricho narrativo que faz aquilo ter sentido e constrói sempre cenas que parecem estar ligadas por conceitos, movimentos ou até por aquele “último momento que muda tudo”. O resultado direto é um filme de quase três horas que passa em um piscar de olhos e entrega para seu espectador uma experiência frenética, divertida e empolgante.
Mas isso tem um custo. Por funcionar bem demais nessas cenas de ação e no ritmo, o roteiro parece confortável demais com um caminhão de vergonhas alheias. Em certo momento parece se achar tão pertinente que chega a tentar fazer uma crítica nada velada ao momento atual da humanidade lidando com as redes sociais e com a internet. O resultado é uma bobagem tão grande e superficial que é cômico observar um monte de seres humanos raivosos lutando pela possibilidade de serem extintos. Tudo bem, isso pode ser relevante em termos de metáfora, mas é tão raso e bobo que soa vergonhoso.
Do mesmo jeito que é cansativo demais um vilão tão dramático e apegado a bombas gigantes que podem ser desarmadas com dois fios cortados. Ou uma dinâmica absolutamente forçada entre Hunt e o agente vivido por Shea Whigham e que remete a um acontecimento do primeiro filme sem a menor necessidade. Pior ainda, terminando com um aperto de mão tão brega que faz você pensar se o filme não deveria ter acabado alguns minutos antes.
Mas também é lógico que isso não atrapalha, só demonstra o quanto tudo poderia ser ainda melhor com um pouco mais de carinho na hora de construir essa trama em vez de simplesmente tentar provocar o espectador com esse tipo de subterfúgio narrativo que aposta em suas burrices. Mas são oito filmes com Tom Cruise e sua equipe viajando pelos quatro cantos do mundo para encontrar cenários bonitos para serem usados em suas cenas de ação e uma quantidade maior ainda de impossibilidades físicas e corporais que são misturadas nesse grande balde de diversão que faz nada disso importar além da ação.
Missão: Impossível sabe que você vai acreditar nele enquanto Tom Cruise está agarrado no avião e não se preocupa em entregar nada além disso. E faz isso com personalidade e um visual incrível, mas não se importa de ignorar a origem da ideia toda, lá da série, onde o cérebro de seus espectadores era provocado a pensar e não a ser preenchido com uma quantidade de adrenalina suficiente para cegar qualquer bom senso.
Felizmente, quem se importa com “bom senso” não vai chegar perto de Missão: Impossível – Acerto Final, o resto do pessoal, com certeza, vai se divertir até o último momento e torcerá para que a série logo volte aos cinemas em mais um filme.
“Mission: Impossible – The Final Reckoning” (EUA, 2025); escrito por Christopher McQuarrie e Erik Jendressen; dirigido por Christopher McQuarrie; com Tom Cruise, Haylet Atwell, Ving Rhames, Simon Pegg, Esai Morales, Pom Klementieff, Henry Czerny, Holt McCallany, Janet McTeer, Nick Offerman, Hannah Waddingham, Tramell Tillman, Angela Bassett, Shea Whigham e Greg Tarzan Davis.