Moonlight: Sob a Luz do Luar contém uma história simples demais depois que é desvendada. Porém, esse não é um filme que foca em sua história, mas sim em seus personagens. Ele usa toda técnica disponível para explorar o isolamento afetivo dessas pessoas, e por algum motivo, de dentro de suas sutilezas, acaba berrando seu estilo aos quatro ventos, como se o estilo por si só criasse um grande filme.
Nada mais longe da verdade.
A história gira em torno de Chiron em três fases distintas da sua vida, separadas por capítulos com seu apelido/nome predominante: na infância “Pequeno” (Alex R. Hibbert), na adolescência “Chiron” (Ashton Sanders) e na vida adulta “Preto” (Trevante Rhodes). No entanto, a primeira pessoa a aparecer na tela é Juan (Mahershala Ali), o traficante local que se revela como o centro emocional do ainda pequeno Chiron, que passa a orbitar em torno de Juan e sua namorada depois que é descoberto por ele na sua boca de fumo. Tendo uma relação complicada com sua mãe viciada (a ótima Naomie Harris) e sendo vítima de bullying constante na escola, a relação entre os dois lados da moeda é óbvia demais para qualquer tentativa de subtexto.
Mas apesar deste ser um filme sobre pessoas, o elenco realiza um trabalho mecânico, burocrático, que parece tentar mimetizar o que sentem através de meia-dúzia de olhares, movimentos de cabeça e posicionamento na tela. Tudo isso auxiliado pelo diretor Barry Jenkins, que desempenha aqui trabalho detalhista ao extremo, realizando quadros assimétricos (como quando vemos em apenas um terço da tela a janela do carro onde Chiron flutua seu braço para fora) e o abuso indiscriminado da técnica de shot/reverse shot, onde apenas um personagem por vez é visto, quase que de frente para a câmera, o que ajuda basicamente a entendermos que essas pessoas, embora interajam, estão no fundo sozinhas em seu “próprio quadrado”. Porém, diferente do que os irmãos Coen fazem com os seus personagens, seja através da comédia ou de um olhar aguçado sobre um drama pessoal, estes personagens parecem fechados até para o espectador, não importando quanto tempo dure a cena.
Como roteirista, Jenkins se sai muitíssimo melhor, já que detalhes metalinguísticos podem ser capturados aqui e ali. Veja as mãos de Chiron, por exemplo. Enquanto criança, flutua no céu, sem sentir nada em um carro em pouco movimento, ou ao aprender a nadar pela primeira vez, as afunda na água de uma maneira inocente. Mais tarde, na adolescência, um movimento crucial em sua descoberta sexual vemos uma mão se encher de areia, e logo depois a mesma palma da mão faz um traço na areia, que logo se apagará com o vento ou a água do mar, mas que justamente por isso é um momento tão mágico e fugaz de sua conturbada vida.
O trabalho musical em Moonlight lembra os frequentes problemas que os compositores hoje em dia sofrem através das “temp musics”, que são trilhas sonoras emprestadas de outros filmes que são usadas até a composição do trabalho original. Depois que chega o momento na produção em que a trilha será composta, geralmente a edição já pode ter sido finalizada ou até a pedido do diretor, a trilha é feita totalmente com base na emprestada, o que gera trilhas extremamente semelhantes e sem personalidade. Nesse caso, o tema de Moonlight lembra de maneira inequívoca um trabalho recente de Terrence Malick, Cavaleiro de Copas, mas que neste filme cabia perfeitamente a elevação espiritual e existencial do personagem de Christian Bale. Aqui há uma contraposição distorcida e tímida que não parece nunca atingir seu objetivo, embora pelo menos fuja do lugar-comum em se tornar invisível. Notamos a trilha, mas ela não significa nada.
E quando reparamos nessa falta de significado, nos lembramos que a própria fotografia utiliza uma miscelânea de cores muito vaga para inferir qualquer simbolismo, sugerindo pouco através da dualidade entre branco, amarelo e vermelho, sendo que a própria época genérica em que se passa a história evita que nem o tempo que os personagens vivem seja sentido. Não que as cores precisem necessariamente dizer algo em um filme, mas no caso de Moonlight, o ritmo contemplativo de sua história sugere fortemente que olhemos para todos os elementos em cena (embora eles não pareçam dizer muita coisa). Por fim, os diálogos, quase sempre desnecessários, dizem o óbvio de maneiras que não faz sentido sair da boca de seus personagens. Em um momento no terceiro ato Chiron e sua mãe possui um momento a sós em que não há briga, mas arrependimento. E esse arrependimento, em vez de ficar na construção eficiente de Naomie Harris, precisa ser dita em palavras, o que quebra o encanto. E o mesmo tropeço é seguido quando Chiron se encontra com seu velho amigo.
Moonlight termina sendo o que chamamos de “filme bonito”, ou quando um amigo que está aprendendo elementos narrativos da sétima arte repara que “a fotografia é muito bonita”. Porém, “filme bonito” e “fotografia bonita” não querem dizer nada por si só. Um filme precisa se posicionar de alguma forma para ser levado a sério, nem que seja uma abordagem mais naturalista, onde não há interferência. Não é este o caso. Há interferência, ela é sentida em vários aspectos, mas ainda assim ela soa como ruído ao fundo de uma história que poderia ser muito melhor se contada com um silêncio ao fundo.
“Moonlight” (EUA, 2016), escrito por Barry Jenkins, Tarell Alvin McCraney, dirigido por Barry Jenkins, com Mahershala Ali, Shariff Earp, Duan Sanderson, Alex R. Hibbert, Janelle Monáe