O Doador de Sonhos | Crítica do Filme | CinemAqui

O Doador de Memórias

Mesmo que o livro de Lois Lowry tenha sido lançado no início dos anos 90, O Doador de Memórias é definitivamente prejudicado por chegar aos cinemas em meio à onda de obras voltadas ao público young adult centradas na distopia, alavancada pelo sucesso de Jogos Vorazes (que, tanto de público quanto de crítica, nenhum outro lançamento da leva conseguiu alcançar). Assim, mesmo sendo um bom filme, a adaptação empalidece pela mesmice da história que presenciamos.

Dirigido por Philip Noyce a partir do roteiro de Michael Mitnick e Robert B. Weide, baseado no livro de Lowry, O Doador de Memórias é ambientado em uma nação dividida em comunidades em que cada habitante, ao terminar a escola, passa a se dedicar à profissão escolhida (imposta) para eles pelos líderes. Quando chega a vez de Jonas (Brenton Thwaites), o jovem é declarado o novo Recebedor de Memórias, encarregado de guardar as lembranças do mundo pós-formação das comunidades. Jonas passa, então, a frequentar diariamente a casa do Doador de Memórias (Jeff Bridges), o que despertará desejos e sentimentos até então desconhecidos no garoto.

Noyce e o diretor de produção Ed Verreaux concebem com competência o universo futurista em que a história é ambientada, transformando a comunidade de Jonas em um ambiente opressor através das linhas retas das construções e do isolamento da nação, que surge como uma ilha flutuante. Assim, a natureza isolada e destoante do resto da população do Doador fica clara ao conhecermos sua casa, uma construção de madeira à beira do abismo repleta de curvas e imperfeições.

A fotografia de Ross Emery, por sua vez, utiliza o preto e branco de forma muito interessante, tornando a falta de cores uma representação da opressão daquela sociedade – algo que Jonas começa a transcender aos poucos, primeiro percebendo um reflexo vermelho nos cabelos de sua amiga e, conforme seu treinamento avança, as cores vão lentamente começando a fazer parte de sua rotina. É uma pena, portanto, que logo percebamos que o cinza é literalmente o que todas as pessoas enxergam, o que não apenas destrói a bela metáfora como também não faz sentido algum. Da mesma forma, o clímax do longa, após uma fronteira ser cruzada, insere um elemento mágico até então não presente naquele universo e, portanto, também não faz sentido e jamais é explicado.

O Doador de Memórias Filme

Além disso, elementos como a eliminação do sexo como forma de reprodução, a eliminação dos sentimentos e o policiamento da linguagem são convenções da ficção científica distópica desde os tempos de Admirável Mundo Novo e 1984 e, portanto, aqui nem sequer precisamos que alguém nos explique os efeitos dos remédios que todos os habitantes das comunidades são obrigados a tomar diariamente para saber exatamente o que eles fazem. Além disso, enquanto Noyce é capaz de inserir conceitos eficientes como o uso da maçã para escapar da injeção matinal, remetendo ao Pecado Original de Eva, o cineasta falha em elementos pouco explicados ou justificados como o sinal no pulso dos Receptores – se aquilo indica que ele está destinado a cumprir essa função, como ninguém percebeu a importância do pequeno Gabriel? E por que dizer que os líderes tomaram a decisão “com muito cuidado” para evitar uma repetição do que aconteceu com a Receptora anterior (Taylor Swift), se não havia realmente uma escolha a ser feita? O tal sinal pode até estar presente no livro, mas parece mais um elemento visual introduzido sem cuidado pelos realizadores.

Finalmente, Thwaites conduz o filme com segurança e interpreta bem as descobertas e conflitos do protagonista, enquanto Bridges faz do Doador uma figura misteriosa e claramente carregada pelas memórias que guarda e por tudo o que já passou em sua função. Streep interpreta a antagonista como uma mulher que realmente acredita estar fazendo o melhor, o que de certa forma justifica desperdiçar uma atriz como ela em um papel de tão pouco destaque.

A mensagem de O Doador de Memórias é tão lugar-comum que precisava ser mais potente para ser realmente eficiente e, apesar de ser visualmente interessante, o uso da fotografia granulada durante as cenas de guerra, por exemplo, trazem uma artificialidade às memórias que fazem com que os sentimentos que elas expressam percam sua força. Assim, o filme consegue entreter ao longo de sua duração mas que, após a sessão, não deve permanecer por muito tempo na mente dos espectadores.


The Giver (EUA, 2014), escrito por Michael Mitnick e Robert B. Weide, dirigido por Philip Noyce, com Brenton Thwaites, Jeff Bridges, Meryl Streep, Odeya Rush, Alexander Skarsgård, Katie Holmes, Taylor Swift, Cameron Monaghan e Emma Tremblay.


Trailer do filme O Doador de Memórias

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