Os Órfãos | Falta mais uma volta no parafuso


A história é velha, velha mesmo, publicada em 1989 por Henry James, em 12 capítulos da revista semanal Collier´s. De lá para cá, A Outra Volta do Parafuso (“The Turn of the Screw”) foi inúmeras vezes adaptado para os cinemas, TV, teatro e até rádio. Os Órfãos é apenas mais uma delas, uma que deve acabar sendo esquecida rapidamente.

Essa nova adaptação comandada pela experiente Floria Sigismondi busca uma fidelidade narrativa que segue predecessores como Os Inocentes (1961) e até o brasileiro Através das Sombras (2015). Tenta apenas trazer a história do final do século 19 para o comecinho dos anos 90 do século seguinte, mas sem nunca tentar um arroubo narrativo como, por exemplo, Os Outros (que, com spoiler, tenta contar a história através do “outro lado”).

A boa e velha história de fantasma em Os Órfãos, acompanha essa espécie de tutora, Kate (Mackenzie Davis), que aceita o trabalho de “cuidar” dessa menina, Flora (Brooklyn Prince), que vive apenas com a governanta (Barbara Marten) em uma mansão enorme, cheia de janelas, sombras, sustos e aqueles detalhes que fantasmas adoram. E é isso que acontece, em pouco tempo (no mesmo dia que chega!), ela começa a desconfiar que alguma coisa de estranho está acontecendo naquela casa. E isso fica pior quando o irmão da garotinha, Miles (Finn Wolfhard), é expulso do colégio interno e passa a perambular pela casa.

Quem já viu algumas das dezenas de adaptações sabe onde a história vai parar e o roteiro de Chad e Carey Hayes segue o rumo mais óbvio até boa parte do filme. Bem no finalzinho ele dá uma guinada meio maluca e cheia de personalidade demais, que foge do filme, tomba em qualquer lugar, finge ser modernão e vai deixar um monte de gente se perguntando o que aconteceu. E “tudo bem”, você não vai entender porque eles não parecem muito interessados em te explicar.

Mas esqueça isso, o que importa é o clima e os sustos, é nisso que você iria apoiar sua diversão se essa parte funcionasse. Não funciona. Curiosamente, Floria Sigismondi ficou conhecida no mundo dos clipes por entregar um clima de pesadelo em vídeos como “The Beautiful People” e “Tourniquet” de Marilyn Manson, além do esquisitão “Little Wonder” de David Bowie. Nada disso está em Os Órfãos, talvez um pouquinho lá para o finalzinho, mas antes disso, o que Sigismondi constrói é apenas um filme de terror comunzinho.

Pior ainda, alguns detalhes apresentados no primeiro ato, como os manequins e o labirinto, são praticamente deixados de lado na hora de criar aquilo que os espectadores mais esperam: terror. Durante a esmagadora maioria do tempo de Os Órfãs, não existe criação de um clima, mas apenas uma série infindável de sustos artificiais que só funcionam com um acorde alto da trilha sonora e um corte abrupto.

As composições firmes de Sigismondi não se transformam em ação, apenas estão por lá, deixando o filme bonito, mas sem nunca trazer isso para a pressão que o gênero precisa para incomodar o espectador. Os Órfãos não incomoda, não te deixa na ponta do sofá incomodado pela construção de uma aparição fantasmagórica, apenas te joga no susto sem muita preparação.

Falando em “preparação”, o caminho final surge ainda sem muito cuidado. Talvez apenas movido pela vontade de se afastar da história clássica por puro fetiche. A solução é ainda hermética, perde o significado original e escolhe um jeito cheio de originalidade, mesmo sem perceber o quanto a solução mais fiel, pelo menos, fecharia o filme com uma impressão de unidade.

São 119 anos de uma história que perdura na cultura pop e se tornou praticamente um gênero por si só. Fugir disso para provar um conceito é o mesmo que rejeitar o trabalho de Henry James para se deixar ser apenas mais um filme de terror que finge ser vanguardista, mas é apenas mais uma história de fantasma que não sabe fazer nem o “arroz com feijão”. Só mais um terror fraquinho e que deverá ser esquecido.


“The Turning” (EUA/UK/Ire/Can/Ind, 2020); escrito por Carey W. Hayes e Chad Hayes, a partir do livro de Henry James; dirigido por Floria Sigismondi; com Mackenzie Davis, Finn Wlfhard, Brooklyn Prince, Barbara Marten, Joely Richardson e Nial Greig Fulton


Trailer do Filme: Os Órfãos

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