[dropcap]E[/dropcap]xiste um movimento de filmes de ação que começou lá no início do século 21 e tomou de assalto o sul da Ásia. Nada de novidade em termos de cinema oriental de artes marciais, mas esse “novo cinema” é ainda mais visceral, violento, doloroso e sujo. Resgate, novo filme da Netflix que tem como principal chamariz a presença do astro Chris Hemsworth, está intimamente ligado a esse cenário.
Essa “nova onda” começou pelos lados da Tailândia, Indonésia e Malásia, com Ong-Bak, O Protetor e Operação Invasão entre outros, mas foi se espalhando pelo mundo. Resgate vai um pouco mais para o norte, entre Índia e Bangladesh, mas com toda pinta de ir ao encontro de onde o dinheiro estava.
O filme tem dinheiro da India Take One Productions, o que, curiosamente, tira a ação de um lugar muito mais perto do público brasileiro e leva para a fronteira entre Bollywood e Bangladesh. Isso, porque a história é a adaptação da HQ “Ciudad”, lançada pelo Oni Press e escrita por Ande Parks a partir de uma ideia dele com a dupla Joe & Anthony Russo (sim, os diretores dos últimos dois Vingadores). A curiosidade é que, como o nome em espanhol já faz imaginar, toda ação nos quadrinhos se passa entre Brasil e Paraguai.
E uma das obrigações estéticas dessa “nova ação” é justamente a necessidade de tudo acontecer em um ambiente caótico, colorido e bagunçado, o Paraguai caberia perfeitamente, mas Bangladesh também é uma ótima opção. A maioria da ação do filme se passa na capital Daka, onde o filho do maior traficante da índia é feito de refém pelo maior traficante de Bangladesh.
No meio de toda essa excentricidade à la Pablo Escobar, Rake (Chris Hemsworth) é um mercenário especializado nesse tipo de extração e que é contratado para resgatar o jovem e devolve-lo para a Índia são e salvo. Lógico que em algum momento tudo vai dar errado e ele vai ter que enfrentar um batalhão de capangas e policiais corruptos antes de conseguir fugir daquele lugar.
O filme é escrito por um dos irmãos Russo, Joe e dirigido por Sam Hargrave, ex-dublê e diretor de segunda unidade, tanto dos últimos dois Vingadores, quanto ainda das ações Atômica e O Contador, ambos conhecidos por suas grandes e empolgantes cenas de ação. Portanto, o cara certo para o trabalho.
Na esteira dos demais filmes orientais que vem transformando o gênero, Hargrave cria um filme que deixa qualquer um sem fôlego. Tropeça um pouco no exagero com que apresenta sua trama, e não foge do quando é cômico ver seu protagonista pulando de um penhasco para mostrar para o espectador o quanto é “bomzão” (para não usar o palavrão que melhor se encaixaria aqui!) e se enchendo de remédios e whisky no tom mais suicida possível antes de aceitar uma missão ainda mais suicida. Mas com certeza o que vem depois é muito mais interessante.
Hargrave está em sintonia com o gênero, suas cenas de ação são claras, amplas e muito dolorosas, envolvendo tiros, golpes e todo ambiente que rodeia seus personagens. Hemsworth também da conta do combate corpo a corpo e encaixa bem todas coreografias rebuscadas das cenas de ação. Portanto, é fácil se deixar levar pela quantidade empolgante de cenas de ação e de como todas elas são apresentadas.
E se estamos falando de um filme de ação, isso é mais que suficiente.
Mas a cereja do bolo acaba sendo mesmo a sequência sem cortes que dura quase 13 minutos e tem de tudo. Da câmera entrando no carro, até correndo pelos corredores apertados e saltando de um prédio para outro. A experiência de quase três décadas do diretor de fotografia Newton Thomas Sigel, que vai de Os Suspeitos até um punhado de filmes dos X-Men, também ajuda a formar essa sequência de tirar o fôlego. Os cortes estão por lá escondidos, mas o efeito é divertido, principalmente para os fãs de ação.
Hargrave e o roteiro de Joe Russo ainda sabem acalmar o ritmo frenético para desenvolver os personagens com simpatia e criando um protagonista brucutu, porém na medida certa ao equilibrar um trauma poderoso e uma sensibilidade que ajudam em sua motivação. Ainda que seja clichê, é fácil se deixar levar pela empatia desse guerreiro que descobre uma razão para voltar a lutar ou, pelo menos, morrer tentando… como um bom viking indo para o Valhalla, por exemplo, deixando claro que ninguém está fazendo nada inédito, apenas explorando bem aquilo que vem sendo feito por alguns séculos.
Mas Hargrave e Russo sabem que o que importa para os fãs de Resgate é mesmo muita ação, e eles não deixam que sua apoteótica sequência sem cortes seja a única oportunidade de agradar os fãs. Resgate simplesmente não para e culmina em um tiroteio épico sobre uma ponte (que nas HQs originais é, justamente, a brasileira “Ponte da Amizade”) com centenas de policiais corruptos, mísseis, muitos tiros, explosões e sacrifícios. Um esforço estético enorme e que caberia na tela grande de qualquer cinema por aí.
Em certo momento do filme, para criar a sustentação da surpresa final, o jovem sequestrado, Ovi (Rudharksh Jaiswal) aponta para Rake que “não é caindo no rio que você se afoga, mas sim permanecendo nele”. Portanto, não é uma grande cena de ação com 13 minutos sem corte que faz de Resgate um filme de ação eficiente e divertido… não, espera um pouco, isso faz sim, então pegue seu balde de pipoca e divirta-se.
“Extraction” (EUA, 2020), escrito por Joe Russo, à partir da HQ de Ande Park, Joe & Anthony Russo, dirigido por Sam Hargrave, com Chris Hemsworth, Rudhraksh Jaiswal, Shivam Vichare, Piyush Khati, Randeep Hooda, Golshiften Farahani e David Hardbour.
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