Em meio a sempre um monte de estreias e lançamentos que se misturam entre as datas que chegaram aos cinemas e o momento que foram obtidos por um ou outro serviço de streaming, Sede Assassina pode passar despercebido por muita gente, mas não deveria.
O filme sequer estreou nos cinemas dos Estados Unidos e do Canadá (a não ser em “limited theatrical release”, ou “só em uma meia dúzia de cinemas escolhidos”), países que o bancaram, mas passou rapidinhos pelos circuitos comerciais de duas dezenas de países, juntou pouco mais de US$ 3 milhões (devidamente convertidos) por aí e já chegou até na Prime Vídeo. Uma combinação de fatores que tem todos detalhes para esconder o filme de seu público. O que é uma pena, já que seus fãs iriam realmente (ou irão) se divertir com ele.
Esses fãs são os mesmos daqueles suspenses policiais sobre assassinos em série que estão na mesma categoria de um Seven, por exemplo, mas que sabem conviver bem com a tonelada de clichês que veio atrelada a tudo que já foi feito depois do (já) clássico de David Fincher. Portanto, Sede Assassina (que por pouco no título original em vez de “To Catch a Killer”, algo como “Para Pegar um Assassino”, não se chamou “Misantropo” e deu spoiler do final) pode até ser meio óbvio, mas consegue fazer isso com elegância e interesse.
A premissa não é tão obvia assim, com uma noite de Ano Novo em Baltimore onde dezenas de vítimas são assassinadas por um sniper absolutamente preciso e frio. No meio de toda confusão, a jovem policial Eleanor (Shailene Woodley) acaba trombando com o agente do FBI, Lammark (Ben Mendelshohn), responsável pela investigação do caso e que, obviamente, leva ela para sua equipe e lhe dá a oportunidade de correr com ele contra o tempo para pegar o assassino antes que ele aja novamente.
Os dois então começam não um jogo de gato e rato, mas sim uma investigação que se perde tentando entender um assassino que não tem explicação. O roteiro do argentino Damián Szifron em parceria com Jonathan Wakeham se segura bem diante desse suspense e uma quase aflição de parecerem cada vez mais longe do assassino. É essa pressão que faz com que a dupla de protagonistas tenha espaço para crescer e permitir dois grandes trabalhos dos atores, algo que é sempre importante para um tipo de filme como esse.
Eleanor e Lammark tem questões que os colocam diretamente obcecados pelo caso. Ela, um passado que surge para assombrá-la e fazê-la ser julgada dentro dessa sociedade opressora e sempre pronta para julgamentos. É com esse assassinato que ela tem a oportunidade de provar sua capacidade e seu valor. Ele, tendo que lutar pelo seu espaço diante da podridão dos apertos de mão e decisões que deixariam os políticos de Tubarão orgulhosos.
O roteiro então dá espaço para o desenvolvimento de ambos enquanto vai traçando o perfil do assassino e chegando mais perto da monstruosidade de suas ações, o que vai ficando cada vez mais e mais poderoso e dolorido. O final é previsível, pois o caminho só aponta para ele, como se soubesse que não teria como abraçar qualquer tipo diferente de tragédia. Não existe opção quando o assassino não cumpre os clichês bobos do gênero, que é o que acontece em Sede Assassina.
Szifron, que é mais conhecido por estar por trás do ótimo Relatos Selvagens, opta por contar uma história presa a um realismo que aceita o pessimismo dessa sociedade quebrada. Seu olhar é frio e impessoal, sua sequência inicial com as mortes é surpreendente e sem esperanças, suas reviravoltas podam a felicidade de qualquer boa expectativa. Suas cenas de ação não celebram um cinema de ação, mas sim algo quase rústico e preso a uma realidade dolorosa e que pode ser apagada da existência com a velocidade de um tiro.
O estilo do diretor argentino ainda escorre pelo filme e cria uma estranheza realista. Ao inverter a cena, colocando tudo de cabeça para baixo, cria esse incômodo visual de um mundo onde a verdade não faz sentido, ao deixar isso mais tempo na tela do que se espera, é como se deixasse claro o quanto não tem controle sobre sua história diante da vontade de ser real, ainda que cru e triste.
Misture tudo isso ainda a uma série de intenções claras de julgar e tentar (em vão) entender as quebras dessa sociedade americana. As podridões sutis do descontrole com armas, a violência do preconceito e a pobreza moral movida pelo dinheiro e pelo poder. O final é melancólico, sendo difícil entender se Eleanor ganhou ou perdeu. É difícil até entender se diante de todas intenções o próprio assassino sai vitorioso ou não. Sede Assassina deixa um gosto amargo na boca, assim como a maioria dos melhores do gênero.
Os fãs que perderem isso, desperdiçarão uma oportunidade de conferir um grande suspense que poderá passar despercebido por muita gente, mas não deveria.
“To Cath a Killer” (EUA/Can, 2023); escrito por Damián Szifron e Janathan Wakeham; dirigido por Damián Szifron; com Shailene Woodley, Ben Mendelsohn, Jovan Adepo, Ralph Ineson, Richard Zeman e Jason Cavalier.
SINOPSE – Depois de uma assassinato em massa durante a noite de Ano Novo em Baltimore, uma policial e um agente do FBI se juntam para descobrir quem é o assassino e capturá-lo antes que outra tragédia aconteça.