Primeira incursão de Juan José Campanella no cinema de animação, o responsável pelos ótimos O Filho da Noiva, Clube da Lua e O Segredo dos Seus Olhos constrói, em Um Time Show de Bola, um longa tecnicamente eficiente, mas que não tem o complemento de um roteiro ou personagens envolventes.
O tímido garoto Amadeo passa os dias jogando pebolim no bar de sua pequena cidade e, certo dia, derrota o metido Grosso. Já adulto, Amadeo presencia o retorno de seu antigo rival à cidade – que, agora é um jogador de futebol superstar, e quer transformar o local em um lugar totalmente dedicado a ele e a seu time. Para completar, Grosso ainda captura Laura, o interesse romântico de Amadeo e, com a construção de um estádio gigantesco de futebol, o jovem reúne então seus amigos para enfrentar o time profissional em uma partida que decidirá o destino da cidade.
Utilizando bem a linguagem do 3D e de cenas de ação, e, assim, criando belos momentos como uma partida de futebol sob a chuva, Campanella utiliza também a fotografia de Félix Monti para criar uma atmosfera nostálgica em tons pastel, com as ocasionais cores mais fortes da megalomania de Grosso. É também impressionante o cuidado com os detalhes dos pequenos jogadores de ferro da mesa de pebolim, que surgem enferrujados e com a tinta coberta de manchas e outras falhas.
Porém, apesar de alguns momentos bastante eficientes, como a referência a 2001: Uma Odisseia no Espaço logo no início da projeção e da piada envolvendo o hábito dos jogadores de fazer o sinal da cruz, o roteiro, escrito pelo diretor ao lado de Gastón Gorali e Eduardo Sacheri (com quem Campanella já havia trabalhado em O Segredo dos Seus Olhos), a partir de um conto de Roberto Fontanarrosa, não sabe muito bem no que focar e, assim, nem mesmo perde muito tempo desenvolvendo seus personagens. Enquanto mal chegamos a conhecer Amadeo e Grosso, não é à toa que me referi a Laura como “o interesse romântico” do protagonista, já que ela serve apenas para isso, e seus objetivos logo são esquecidos pelo longa. A moça chega até mesmo a ser sequestrada pelo vilão apenas para que o herói tenha que salvá-la.
Nem mesmo os jogadores de ferro que, ao ganharem vida, passam a receber a maior parte da atenção da narrativa, conseguem se estabelecer como personagens carismáticos. Sem personalidade e, pior ainda, sem real importância na trama, os bonecos se limitam a protagonizar momentos repetitivos e piadas sem graça. E a nos fazer sentir falta de Woody e Buzz.
E os bonecos não são os únicos elementos aparentemente fantásticos do longa que não exercem função alguma: o laboratório de Grosso, por exemplo, é mostrado de passagem apenas no final do segundo ato e, sem que suas invenções sejam mencionadas de novo, o filme, ao invés de abraçar a bizarrice de seu vilão, apenas chama a atenção para o absurdo do que acabamos de ver. E, falando em absurdos: é inexplicável a decisão da dublagem brasileira de manter o sotaque argentino em um dos jogadores, já que, sendo esta uma co-realização da Argentina e da Espanha, todas as vozes originais falam espanhol.
Por outro lado, Um Time Show de Bola consegue ao menos, minimamente, fazer uma crítica à megalomania dos maiores clubes e jogadores de futebol do mundo e da mercantilização descontrolada, assim como também a tentativa de debater a diferença entre as brincadeiras das crianças de ontem e de hoje, mas tudo raso e que não justifica sua inclusão no filme. No começo da projeção, o pai comenta que o filho não entenderá o que ele tem a lhe dizer porque é viciado em um joguinho de futebol digital. Ao final do filme, vemos que o garoto ficou fascinado pela história (ele deve ter ouvido uma versão mais interessante do que nós) na primeira vez que a conheceu. Aliás, os momentos iniciais e finais do filme, entre os quais o pai narra os acontecimentos do longa para seu filho, é um recurso que, aqui, se mostra penosamente óbvio.
Campanella, normalmente tão talentoso e sensível, deixou a técnica falar mais alto e se perdeu na liberdade oferecida pela animação computadorizada. Torçamos para que o cineasta volte para o que faz tão bem ou, melhor ainda, que perceba onde falhou e, na próxima vez, entregue uma obra animada digna de seu talento.
Metegol, escrito por Juan José Campanella, Roberto Fontanarrosa, Gastón Gorali e Eduardo Sacheri, dirigido por Juan José Campanella, com David Masajnik, Fabián Gianola, Horacio Fontova e Pablo Rago.