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Watchmen | Um novo começa para as HQs nos cinemas

Quando foi lançada, entre 1986 e 1987, as doze edições de Watchmen mostravam que uma história em quadrinhos (HQ) não precisava ser sobre super-herois e vilões, e muito menos feitas para crianças. Hoje, 2009, Watchmen chega as telas do cinema mostrando que uma adaptação de uma HQ não precisa ser sobre heróis e vilões, e muito menos ser feita para crianças, mais ainda até, Watchmen chega para se colocar como um ponto final nas adaptações, e um novo começo.

Mas Batman- O Cavaleiro das Trevas já não fez isso? Perguntaria meu inquieto leitor (no singular mesmo), não, Batman extrapolou o gibi e se jogou em um suspense policial, criou uma franquia que se permitirá ser remoída de tempos em tempos. Watchmen é sucinto, te coloca em um outro mundo por quase três horas, te chacoalha, maltrata e por fim te faz sair do cinema com um sorriso esquisito, que poderia ser confundido com um certo aperto no estômago e só, acabou e, do mesmo jeito que a mini-série, se colocará em um canto de seu cérebro para sempre.

Mas, comparar o filme de Zack Snyder com a mini-série é uma covardia enorme, já que, aquilo que aparece na tela é exatamente o que foi escrito por Alan Moore e desenhado por Dave Gibbons, como se você sentisse que estivesse lendo o gibi. Do visual ao roteiro, passando por uma montagem que se escora completamente na HQ, tudo parece ter saído direto do papel (Snyder usou os quadrinhos da série como storyboard e até permitia/aconselhava aos atores a usá-los como roteiro).

Se por um lado, isso fara os leitores se deliciarem com a fidelidade do filme com a obra, por outro provocará muitas, mas muitas mesmo, caras feias ao fim da sessão. Mesmo com o roteiro de David Hayter e Alex Tse tendo toda sensibilidade possível para cortar, remontar e recontar muitas parte da HQ, transformando o resultado final em algo muito mais mastigado, e até por que não empobrecido, do original, fazendo aquilo tudo se transformar em um produto mais próximo do cinema atual, uma pequena parcela de espectadores ainda entrará no cinema à espera de um Homem-Aranha mas no fim dará de cara com um… Watchmen.

Snyder, Hayter e Tse parecem muito mais preocupados em criar uma adaptação que respeite a mini-série do que propriamente fazer um blockbuster “zilhardário”, coisa semelhante com o que o diretor fez em seu Madrugada dos Mortos, tentando entender a ideia por trás do original, refilmando-a e obtendo quase (ênfase nesse “quase”) o mesmo resultado. Seu Watchmen não se acovarda diante da HQ e muda o que tem que mudar, mas tudo de um jeito que nem o fã mais xiita conseguirá reclamar, respeitando a obra original e se preocupando única e exclusivamente com um resultado dramático que se equipare com o da mini-série, e isso ele consegue com facilidade.

No filme, assim como na HQ, após o vigilante (watchmen no original inglês) outrora chamado Comediante ser violentamente espancado e arremessado do alto de seu apartamento no qual curtia sua aposentadoria, Rorschach, ainda atuando de modo marginal, passa a desconfiar de uma trama por trás dessa simples morte, resolvendo assim ir em busca dos outros “mascarados” com qual lutavam em parceria, mas que tiveram que largar o “trabalho” graças a uma lei que os colocou de lado.

E é nesse clima de intriga que o filme (assim com a HQ) traça não só um paralelo com toda uma realidade sócio-politica, como faz de tudo para desconstruir todos dogmas que acompanharam os super-heróis até aquele momento. De um modo maquiavélico (citando o filósofo) tudo naquele mundo de 1985 lembra alguma coisa, mas de um jeito um tanto quanto deturpado, jogando os super-heróis em um mundo real, onde eles realmente fizeram a diferença. Ninguém ali é um poço de virtuosidade, mas no fim parece entender que, para se fazer um omelete, antes é preciso quebrar alguns ovos (parafraseando Maquiavel).

Snyder parece ter tudo isso tão em mente, que consegue controlar totalmente o filme, de seu início ao fim, sem se preocupar em apresentar um filme bem mais complicado, e complexo, que o que se vê por aí, problema que é facilmente resolvido com um ritmo dinâmico, um visual impecável e uma linha narrativa impressionante, que envolve tudo a sua volta e te carrega para um clímax extremamente bem-vindo e coerente, tanto quanto o da HQ.

Se do mesmo jeito que acaba se mostrando um filme narrativamente complexo, que faz de tudo para não apelar para um ou outro atalho apenas para buscar uma aceitação, criando um filme até certo ponto complicado, que exige uma certa reflexão a cada momento, como se apenas se deixasse entender aos poucos, sem pressão de se tornar fácil, Watchmen cai na própria armadilha quando tenta se tornar um produto superestimado de uma indústria que só sabe subestimar seus produtos.

O grande público ficará incomodado exatamente com essas mesmas coisas que tornarão o filme algo diferenciado, não por uma preguiça de pensar, mas por uma falta de costume de exercitar isso. Muitos sairão reclamando exatamente das coisas que tornam Watchmen algo único. Por contextualizar tão bem a violência do filme, o espectador acaba não dando de cara com um momento, mas sim um clima inteiro, como se criasse um aperto no estômago generalizado, mas sem dar enfase em uma ou outra sequencia, deixando tudo por trás da trama do filme, e com isso o público não sabe conviver, já que se a trama do filme não simplesmente parar para mostrar uma ou outra cena mais forte, fica como se ela não tivesse acontecido. Vide a maioria esmagadoras dos Blockbusters que lotam as salas de cinema.

O mesmo pode se dizer de suas cenas de ação, com sequencias de lutas extremamente pontuais dentro do filme, servindo exclusivamente para carregar a trama, mas que, um ou outro espectador é capaz de não conseguir enxergar toda força e beleza delas (tudo bem, com uso um pouco exagerado de câmera lenta, mas é algo já de se esperar devido ao estilo do cineasta). Como se criasse um tipo de incompreensão do público, que não entende que a grande ação do filme não vem de explosões, perseguições e socos, mas dos rumos da trama, da complexidade dos personagens, e de como suas ações movem tudo para um final inevitável.

Snyder decidade fazer de seu Watchmen um filme de super-heróis silencioso que cutuca as entranhas não só dos próprios mascarados como de todos que dão de cara com a adaptação mais complexa da mini-série mais complexa da história de ambas mídias. Agora, é esperar para ver o que sobrará depois que tudo vier abaixo com ele.


idem (EUA, 2009) escrito por David Hayter e Alex Tse, a partir da série de quadrinhos de Alan Moore e Dave Gibbons, dirigido por Zack Snyder, com Malin Akerman, Billy Crudup, Matthew Goode, Jackie Earle Haley, Jeffrey Dean Morgan, Patrick Wilson e Carla Gugino


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