É realmente difícil apontar com precisão sobre o que é 360, novo filme de Fernando Meirelles. Assim como é uma tarefa complicada saber sobre quem ele se trata. Talvez seja então sobre um sentimento, ou sobre essas escolhas e caminhos que não funcionam sozinhos. Como uma linha de dominós alinhados à espera do primeiro que cair, formando um desenho que só pode ser visto à distância, já que de perto são só dominós.
Mas Meirelles e o roteiro de Peter Morgan (que recentemente experimentou fazer algo parecido no texto de Além da Vida) não caem naquele lugar comum que manda o espectador dar um passa para trás, afastar o nariz do quadro e descobrir que aquele borrão é, na verdade, uma pintura. A ideia talvez seja dar um passo para o lado e tentar entender como aquele artista chegou àquelas pinceladas.
Globalizado (literalmente), o filme é então um exercício para tentar entender como dois completos estranhos se encontram em uma praça de Viena e partem por um caminho juntos. É verdade que esse momento antes do “Felizes para sempre” acontece lá para perto do final do filme (e sim, isso foi um spoiler), mas Meirelles está mais preocupado em alinhavar esses dois destinos por meios dessas pequenas linhas. O que, ironicamente, enfraquece todos dos arcos.
Curiosamente, Meirelles cria esse grande fio narrativa onde todos acabam sendo coadjuvantes desse pequeno encontro, mesmo sem fazerem a mínima ideia disso (tanto eles quanto o espectador). Um esforço que acaba dando a volta pelo mundo, acompanhando o desenrolar dessas outras pequenas histórias, refletindo ao seu redor como uma pedra jogada em um rio. Do encontro com uma prostituta que acaba não acontecendo até uma reunião do AA que mostra para uma assistente de dentista que ela não precisa se deixar estagnar em seu casamento. Cada peça de um quebra-cabeça espalhado por cinco cidades e dois continentes.
E o que poderia ser arrastado, ganha um ritmo interessantíssimo diante da decisão de não embaralhar todas essas linhas em um novelo, mas sim esticá-la (e esticá-la mais ainda) até que suas pontas se encontrem. Melhor ainda, isso possibilita que “360” (como em uma volta completa) siga de personagem em personagem sem criar surpresas nem reviravoltas, mas sim um caminho natural. Como um bastão em uma corrida de revezamento, que nesse caso, acaba voltando à mão do primeiro competidor.
A fragilidade disso reflete em segmentos menos interessantes, como o ligado ao dentista francês (vivido pelo sempre simpático Jamel Debbouze, de Fora da lei e Amelie Poulin). Ainda assim (ai sim com um passo para trás), até esses momentos menores acabam se mostrando imprescindíveis para que a história chegue ao final. E seu “status passageiro” (como se servisse de ponte para outra história), mostra o controle de Meirelles sobre seu material e seu cuidado em nunca (em momento algum mesmo!), resolver ou deixar que algum personagem surja e se vá sem ter validade dentro de sua história. Decisão que permite um resultado no mínimo consistente.
E em filme tão global, o elenco segue a mesma ideia e vai buscar talentos das mais diversas nacionalidades. Jude Law, Anthony Hopkins e Rachel Weisz (todas da Inglaterra), Ben Foster (EUA) e até brasileira Maria Flor (que tira de letra a responsabilidade de contracenas, a maioria do tempo, com Hopkins, e o faz com beleza e charme), entre muitos outros, não deixam o espectador se sentir orfão, nem por um momento sequer, de uma atuação que valha o filme.
Diante de todos esses caminhos, Meirelles ainda presenteia o espectador com uma enorme paciência na hora de desenvolver cada uma dessas linhas, já que sabe que, sem isso, o filme poderia se tornar picotado e sem foco. Então, é fácil se enterrar dentro da poltrona (ao melhor estilo Hitchcock, assim como, mais tarde, em uma cena em um elevador) enquanto a personagem de Maria Flor chega mais e mais perto de Ben Foster (em uma atuação sensacional e dolorosa). Assim como deixa um sorriso abrir no rosto do espectador ao descobrir a identidade da amada do dentista francês. Durante todo tempo, Meirelles joga um jogo onde o único ganhador é o espectador.
Por outro lado, é difícil entender o que Meirelles procura com algumas intervenções visuais, como a legenda para mudar de cidade e até um avião voando em miniatura (por trás da cabeça de um dos personagens). Como se tentasse forçar uma leveza desnecessária. Algo que se faz por si só enquanto vai em direção a conclusão que, se não surpreende pelo clima amistoso, pelo menos é sincera diante de tudo que mostrou (isso mesmo, nada dá muito errado… e desde quando isso é ruim?).
360 não é sobre um assunto só (por mais que a infidelidade esteja presente em todos os arcos e que a grande maioria dos personagens seja um estrangeiro dentro um país), mas tem a coragem de assumir o risco de ser sobre uma história só. Uma que dá certo no final das contas, ainda que, para isso, várias outras acabem não conseguindo o mesmo.
360(RU/Aus/Fra/Bra, 2011) escrito por Peter Morgan , dirigido por Fernando Meirelles, com Lucia Siposová, Gabriela Mascinkova, Jude Law, Moritz Bleibtreu, Jamel Debbouze, Rachel Weisz, Juliano Cazarré, Ben Foster, Anthony Hopkins, Maria Flor, Vladimir Vdovichenkov e Dinara Drunarova.
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