Não é uma novidade que Judd Apatow tenha se tornado esse diretor que ultrapassa a ideia da comédia simples e busca alguma coisa a mais dentro do gênero. A Arte de Ser Adulto, seu mais novo filme, é apenas um reflexo desse esforço que parece existir em sua carreira desde sempre. Tem quem goste, tem quem não goste, mas suas convicções permanecem firmes.
Talvez essa ideia de gostos extremos venha, justamente, da expectativa. Quem espera uma comédia cheia de gags como, por exemplo, O Virgem de 40 Anos, filme que colocou seu nome sob os holofotes, vai “ganhar” algo muito mais próximo do resto da carreira do cineasta, o que é fácil passar por chato. Apatow não parece satisfeito apenas com os risos, vai em busca de algo a mais.
Ele já tinha errado feio em Tá Rindo do Que?, mas parece ter ajustado seu rumo e entendido sua voz, tanto como diretor, quanto como produtor. Seu nome parece agora estar, mais do que nunca, atrelado a produções que não se importam de serem taxadas como dramas, mas que têm uma pitada de comédia que surge sutil e não larga o filme. Ao tratar suas comédias como algo mais complexo do que uma “punch line” no final da cena, cria filmes mais maduros e que buscam um público bem mais específico.
Portanto, quem gargalhou com Steve Carrell depilando o peito, agora terá que lidar também com a complexidade desses personagens e de uma história que não se resolverá com uma atrapalhada no final ou um “eu te amo” no aeroporto.
A Arte de Ser Adulto é um desses casos complexos. O filme não merece esse título nacional, já que não é sobre qualquer tipo de guia ou manual para se tornar um adulto, muito menos as complicações de sair da juventude. Apatow não quer simplesmente julgar seus personagens ou mostrar o que está certo ou errado através de uma epifania de terceiro ato que salva o protagonista, a ideia é entender e acompanhar.
No filme, Pete Davidson (do Saturday Night Live desde 2014) é Scott Carlin, um rapaz de 24 anos, morador de Staten Island, uma espécie de bairro da cidade de Nova York (na verdade algo como um condado ou “Burgo”). A ilha é a mais afastada dos outros locais que circundam Manhattan, o que parece fazer dela um lugar com uma personalidade ainda mais única dentro de toda essa região. E nesse lugar que Apatow está interessado. nele e nas pessoas que estão lá.
Scott tem o sonho de se tornar um tatuador, mas enquanto isso não acontece, fica por aí. Simples assim, não parece muito que ele esteja interessado em nada e abre o filme, justamente, tentando fechar os olhos e deixar isso para trás enquanto dirige em uma rodovia. Os pedidos de desculpa para si mesmo ao provocar um acidente, mas sair ileso, é quase um pedido de socorro. Ainda que ele seja alguém sem o futuro esperado, é uma pessoa com um coração maior do que suas tentativas de conviver com as pressões ao seu redor.
O roteiro do próprio Apatow em parceria com o próprio astro Pete Davidson (que já tinha escrito The Dirt) e Dave Sirus vai então acompanhando essa jornada entre esse Scott Carlin perdido de olhos fechados e alguém que olha para o alto e enxerga as possibilidades à sua frente. A rima visual de Apatow é mais um sinal do carinho com que ele trata seus filmes. Ao fugir do visual óbvio das comédias simples, consegue criar um filme visualmente maduro e que não tem medo de se manter firme na história, independente da piada para fechar ou não a cena.
A Arte de Ser Adulto é então um filme que vai crescendo. Quanto mais expõe seu protagonista a esse mundo, mais o espectador vai entendendo ele e mais o filme vai ganhado força. Scott erra, acerta, tenta mudar, entende o que está acontecendo, se transforma, mas não se torna outra pessoa, apenas aceitas que pode ser uma pessoa melhor.
O curioso disso é que esse começo que parece não engatar a segunda parece boiar em um vazio. Como se não soubesse que trama irá seguir, mas ela está lá e Apatow parece não querer esfregar nada na cara do espectador. Talvez isso afaste muita gente com um primeiro ato arrastado e até uma quebra de expectativa em busca de alguns risos, mas o trabalho do cineasta é muito mais preocupado com o caminho inteiro do que com uma primeira boa impressão.
A ideia parece ser não pedir para o espectador gostar de seu protagonista, extremamente egocêntrico, antipático e sem bom senso, mas sim aguentá-lo por um tempo para entender quem é aquele cara. E enquanto você acha que a história está desfocada do protagonista, dando mais atenção para o relacionamento da mãe (Marisa Tomei) com o novo namorado (o ótimo Bill Burr), não percebe que está caindo na armadilha de Apatow, já que até mesmo isso é parte única e exclusiva da formação de seu protagonista. O segredo está em não dar para seu espectador aquilo que ele espera, mas sim aquilo que ele precisa para entender a jornada de seu personagem.
É lógico que essa ideia de colocar a simples comédia em um lugar que transita entre o drama e a sutileza de um humor muito menos óbvio é um perigo, muita gente pode virar a cara para A Arte de Ser Adulto, simplesmente, por não aceitar algo diferente dentro do gênero. Azar deles, já que Apatow cada vez mais entende o quanto o riso não precisa vir sozinho e que as emoções de seus filmes podem vir de mais do que uma piada com timing acertado.
“The King of Staten Island” (EUA, 2020); escrito por Judd Apatow, Pete Davidson e Dave Sirus; dirigido por Judd Apatow; com Pete Davidson, Bel Powley, Ricky Velez, Lou Wilson, Moises Arias, Maria Tomei, Maude Apatow e Bill Burr