*o filme faz parte da cobertura da 43° Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
[dropcap]Q[/dropcap]uando a Go Pro encontra o poeta. A tecnologia de filmagens com câmeras de alta resolução e drones possibilitam a qualquer um, até quem não tem muito o que dizer, fazer seu próprio filme. O seu “documentário da vida real”, digamos assim. E é assim que o diretor Fernando Spiner concebe este projeto, A Boia, obcecado mais pelo experimento do que pelo filme em si.
Apesar de documentário, este filme não segue o formato entrevista; ele emenda pequenos momentos da vida do diretor que quer resgatar a história de seu amigo poeta. Ambos viviam em uma vila à beira mar. Seu amigo era farmacêutico a mando dos pais, e demorou muito anos até que finalmente conseguisse escrever seu primeiro livro de poesias. Mas mais do que essa história, o filme fala das poesias sobre o mar, e com momentos filmados no mar.
Dois nadadores a centenas de metros da costa perfazem junto dos experimentos com sobreposição de imagens a melhor experiência do filme em tentar transformar poesia em filme.
Não é a linha narrativa que nos conduz, mas a soma dos seus momentos. Um homem pesca um bagre e o cozinha para seu amigo. Vemos tudo em primeira pessoa, e quando é em terceira é como se fosse a mais falsa das histórias. Duas pessoas repetindo falas que soam como os grupos de poesia durante o filme: eles sabem ler, mas não julgam sentir, ou pelo menos sentir o suficiente para serem filmados.
Então o poeta proprietário de uma Go Pro decide começar a fazer o caminho oposto que havia feito. Em vez de acelerar seu caminho pela estrada em direção para sua cidade-natal ele reduz a velocidade das pessoas que frequentam a praia. As ondas quebram em uma câmera lenta sob o som de uma trilha sonora reflexiva feita especialmente para o filme. O efeito visual parece feito para impressionar ou, o mais provável, testar possibilidade de como filmar.
Há um bom filme querendo nascer dos experimentos de Fernando Spiner. Uma noção de ritmo e de abertura para experimentar revelam um olhar cirúrgico para o cinema. “Cirúrgico”, preciso, porém estéril.
Tem uma boa história e boas ideias, mas abusa de técnicas que não dialogam para criar uma narrativa. O filme inteiro são de curtas unidos em uma narrativa maior que se estende quando Spiner descobre os truques para a última cena. Ele faz várias, fade out após fade out, até não sabermos mais como ele pretende acabar.
A Boia tem cara de um filme que começou de um jeito e terminou do outro. Ele começa como um retrato intimista sobre a amizade, o mar e poesia, mas termina homenageando os salva-vidas da praia e vai adotando cada vez mais a postura de documentário para TV. “Vejam a vila onde nasci… Vejam o povo… Agora mais um fade out”.
“La boya” (Arg, 2018), dirigido por Fernando Spiner, com Fernando Spiner e Aníbal Zaldívar.