A Cidade Onde Envelheço Filme

A Cidade Onde Envelheço | Um conto sobre mudanças


[dropcap]U[/dropcap]m retrato tocante e sincero sobre amizade e pertencimento, A Cidade Onde Envelheço ainda declama seu amor por Belo Horizonte e pelo Brasil e nos apresenta a um filme sobre e por mulheres, habitado por personagens femininas complexas e complicadas. O longa ainda acerta na forma com que, mesmo encaixando-se em uma estrutura tradicional em três atos, desenrola-se de forma natural e rotineira, permitindo que simplesmente acompanhemos as vidas das duas personagens centrais.

A portuguesa Teresa (Elizabete Francisca) acaba de chegar a Belo Horizonte, onde vai ficar hospedada na casa de sua compatriota, Francisca (Francisca Manuel), que vive no centro da cidade há cerca de um ano. As duas são amigas de infância, mas não se veem há anos; o reencontro, apesar de alegrar ambas, é repleto de incertezas e hesitações, realçadas pelo fato de que, ao contrário da espontânea Teresa, Francisca é uma mulher mais introspectiva e apegada a sua rotina solitária e independente.

Aos poucos, porém, Teresa vai ficando mais à vontade na cidade e as duas uma ao redor da outra, que retomam então os laços intensos que fez com que, mesmo à distância, elas permanecessem na vida uma da outra.

Marília Rocha, dirigindo o roteiro assinado por ela ao lado de João Dumans e Tahis Fujinaga, acerta em cheio principalmente nos diálogos, que parecem escritos sob medida para as duas atrizes (que jamais haviam atuado antes deste longa). As conversas que no começo não são sobre muita coisa vão tornando-se mais íntimas aos poucos, mas é fascinante perceber o quanto Teresa e Francisca, apesar da familiaridade e do carinho uma pela outra, sentem uma profunda dificuldade em falar sobre qualquer coisa mais complexa ou emocional — as palavras falham, sem conseguir transmitir com clareza o que cada uma quer expressar, ou teme expressar.

Isso contrasta-se com a leveza com que elas interagem com os amigos e até mesmo uma com a outra na hora de brincar, de relaxar, de falar de trivialidades. Não é à toa, portanto, que o principal ponto de conflito da trama surja tão de repente, ainda que seja uma conclusão natural. Anunciar tal decisão anteriormente iria contra a natureza de qualquer uma delas.

A Cidade Onde Envelheço Crítica

Nesse sentido, também merece destaque o quanto Francisca Manuel e Elizabete Francisca constroem uma dinâmica que não apenas realça as diferenças entre Teresa e Francisca, mas, principalmente, realça suas semelhanças. Empolgada com todas as possibilidades da nova cidade ainda que sem emprego, sem um lar só dela e com poucos amigos , Teresa joga-se na rotina de Belo Horizonte, ao mesmo tempo em que não consegue evitar sentir saudade de seu país-natal. Especialmente do mar. “Eu senti falta do mar desde o primeiro dia”, declara Francisca, na primeira conversa em que as duas realmente se abrem uma para a outra. Ela, por sua vez, ainda que tendo se estabelecido de maneira simples na capital mineira, não encontra-se tão satisfeita quanto Teresa espera que ela esteja; Francisca permanece repleta de dúvidas. Qual é o lugar dela? É Belo Horizonte, é Lisboa? É outro lugar, ainda inexplorado? E como ter certeza disso?

Embalando A Cidade Onde Envelheço está uma trilha sonora belíssima de nomes brasileiros, com destaque para a cena em que Teresa vai a uma loja de discos e é apresentada a “Soluços”, de Jards Macalé, que torna-se então a trilha sonora por alguns minutos enquanto a câmera passeia pela cidade, apresentando cenários conhecidos de Belo Horizonte, mas mantendo-se longe dos espaços mais óbvios. Com isso, Rocha constrói uma sensação de familiaridade que contagia o espectador e reforça a relação complicada, mas cheia de carinho, que Francisca e Teresa têm com a capital.

A obra estabelece-se como um conto repleto de honestidade e sentimento sobre uma amizade da vida inteira e como esse tipo de relação muda ao longo dos anos conforme nós mesmos mudamos. E esse processo de amadurecimento ainda afeta a forma com que nos relacionamos com nós mesmos e com o espaço que habitamos. Desenrolando-se de maneira coesa e tranquila, A Cidade Onde Envelheço passa como uma tarde agradável ao lado de pessoas queridas.

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“A Cidade Onde Envelheço” (Bra/Por, 2016), escrito por Marília Rocha, João Dumans e Tahis Fujinaga, dirigido por Marília Rocha, com Elizabete Francisca, Francisca Manuel, Paulo Nazareth, Jonnata Doll e Wanderson dos Santos.


Trailer – A Cidade Onde Envelheço

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