Apesar de se perder ao tentar seguir por vários caminhos diferentes, A Garota do Livro se estabelece como uma obra interesse pela forma sensível e tocante com que retrata seu tema central — e ao estabelecer empatia com a protagonista sem, com isso, ignorar seu comportamento problemático.
Prestes a completar 29 anos, Alice Harvey (Emily VanCamp) é uma editora de livros que, na verdade, atua como uma secretária glorificada para seu chefe, Jack (Jordan Lage). Em troca de que ele leia um manuscrito que a interessou imensamente, Alice aceita planejar a divulgação do relançamento do livro seminal de Milan Dakener (Michael Nyqvist). O pai de Alice é um agente literário — ela conheceu Milan na adolescência, quando ele ainda estava trabalhando na obra, que foi sua primeira publicação. Enquanto isso, ela começava a exercitar seu sonho de ser escritora. Ele se oferece para ajudá-la em sua escrita e, logo, seu relacionamento com Alice passa dos limites quando ele abusa sexualmente da garota. Agora, sem conseguir escrever ou se relacionar romanticamente com ninguém, Alice se vê diante dos fantasmas de seu passado — e da personagem do livro de Milan que, inspirada nela mesma, há persegue a tanto tempo.
A Garota do Livro não tenta fazer do abuso sofrido por Alice um mistério — o que seria um erro grave, pois reduziria seu trauma a uma reviravolta (que, diga-se de passagem, seria muito óbvia se tratada dessa forma). Da mesma forma, a diretora e roteirista Marya Cohn foge de qualquer sensacionalista ou glamourização dos acontecimentos ao manter o foco sempre em Alice — as emoções e reações da garota são o centro das atenções, como deveriam. Assim, claro, rapidamente criamos empatia pela protagonista e repugnância por Milan.
Entretanto, os traumas de Alice tornam seu comportamento destrutivo compreensível, mas não justificam a forma como ela magoa outras pessoas — algo que Cohn percebe com sensibilidade. Assim, enquanto vibramos quando ela responde acidamente a seu patético pai, fazemos o mesmo quando sua melhor amiga, Sadie (Ali Ahn) anuncia que precisa se afastar dela por um tempo. Por outro lado, esse elemento não é trabalhado tão bem justamente em um dos relacionamentos mais importantes da trama: o namoro de Alice e Emmett (David Call). Aqui, o longa cede ao romantismo exagerado e se rende a clichês — o blog criado pela protagonista para pedir desculpas é particularmente destoante do resto da narrativa —, movendo-se rápido demais para que o envolvimento seja grande.
Tecnicamente, o aspecto mais interessante de A Garota do Livro é a montagem que, com agilidade, percorre o presente e a adolescência de Alice e investe em rimas que exploram os relacionamentos entre os personagens. Por outro lado, a trilha sonora é genérica demais para ser tão destacada em determinados momentos — o que faz com que, em vez de captar o que vemos na tela, a música apenas destoe do ritmo do longa.
Liderando o elenco, Emily VanCamp internaliza com talento a complexidade de Alice, investindo em uma performance sutil que, através de movimentos calculados, escondem com frieza o turbilhão que se passa na mente da jovem. Entre os personagens secundários, destaca-se Ali Ahn, que imprime energia e força a Sadie — fazendo da melhor amiga da protagonista uma personagem complexa e interessante. Finalmente, Michael Nyqvist acerta ao não tentar imprimir charme em Milan — claro, a jovem Alice se encanta com um escritor talentoso que se mostra interessado nela e em seu trabalho, mas o personagem sempre surge como uma figura estranha e ameaçadora que, ultimamente, viola tudo em Alice.
Assim, A Garota do Livro merece ser visto devido à forma complexa com que retrata o abuso sexual sofrido pela protagonista — que, ocorrido na adolescência, mantém suas ramificações mais de uma década depois. Mas Alice permite-se enfrentar o passado e superá-lo e, nessa difícil jornada, restaurar o que havia sido tomado dela: seu corpo, sua mente, sua vida e seu trabalho.
“The Girl in the Book” (EUA, 2015), escrito e dirigido por Marya Cohn, com Emily VanCamp, Michael Nyqvist, Ali Ahn, David Call, Jordan Lage, Michael Cristofer, Talia Balsam e Ana Mulvoy-Ten.