A Livraria | Muitos Livros, poucas páginas


[dropcap]N[/dropcap]o centro de A Livraria, está aquilo no qual o filme mais acerta: o retrato de uma mulher introspectiva que sonha em dividir com uma pequena cidade a sua própria paixão pelos livros, que são fonte de conforto, de reflexão e de companhia para ela. Em meio a esse aconchego e identificação, entretanto, o filme infelizmente tenta inserir conflitos forçados, além de investir em personagens pouco elaborados para conduzi-los.

No final da década de 50, a viúva Florence Green (Emily Mortimer) adquire uma casa antiga em uma pequena cidade na costa da Inglaterra. Ela pretende transformar o imóvel não apenas em sua nova moradia, mas também na sede de seu sonho de longa data: uma livraria. O primeiro problema com que Florence se depara é o fato de que ninguém na cidade gosta de ler. Além disso, provocada pelos planos da destemida protagonista, a socialite local, Violet Gamart (Patricia Clarkson), declara que a casa seria muito melhor aproveitada caso fosse transformada em um centro de artes para toda a comunidade. Uma ideia que seria mais nobre se não fosse resultado direto da ação de Florence, já que o imóvel estava abandonado e inutilizado há vários anos. Enquanto isso, a viúva ainda constrói uma inesperada amizade com o recluso Edmund Brundish (Bill Nighy).

Os dois primeiros atos de A Livraria são dedicados quase que exclusivamente aos esforços de Florence para inaugurar e comandar seu negócio, missão na qual ela conta com a ajuda da garotinha Christine (Honor Kneafsey), que, aos poucos, absorve de Florence a paixão pela leitura.

A conexão que a protagonista forma com que Christine e, depois, com Edmund por meio dos livros é o ponto forte do filme, mostrando bem o quanto o prazer solitário de mergulhar em uma história pode ser também uma forma de nos conectarmos com o mundo, com os outros e, é claro, com nós mesmos. Esses aspectos do longa, portanto, vão atrair especialmente aqueles que, como eu, também forem entusiastas da literatura. Nesse sentido, a obra beneficia-se também do belo design de produção, que traz vida e personalidade à cidadezinha e principalmente à livraria, um espaço aconchegante ao qual qualquer leitor voraz adoraria dedicar algumas horas.

A escritora e roteirista Isabel Coixet percorre a casa de forma encantadora, enchendo os títulos que a recheiam de força e encanto. O mesmo capricho é encontrado nos figurinos — o desconforto de Florence ao usar um vestido vermelho para sobressair-se em uma festa da alta sociedade é refletido na inquietude da câmera e, mais tarde, em outro evento importante, ela rejeita aquele mesmo traje em troca de uma peça que reflete sua natureza vivaz e simples.

É uma pena, portanto, que Coixet — cujo roteiro é baseado no livro de Penelope Fitzgerald — insista em dar tanta importância aos conflitos da trama em vez de simplesmente acompanhar as rotinas daquelas pessoas. Afinal, o problema não é exatamente que os conflitos existem, mas que eles são elaborados de forma tão pedestre e mal construída. Depois de aparecer em uma única cena importante até então, a Violet de Patricia Clarkson retorna como uma verdadeira vilã para estragar tudo no terceiro ato — anteriormente, por mais que os demais personagens declarassem o quanto ela iria arruinar as coisas para Florence, ela não havia efetivamente tomado atitude alguma.

Cercada por outras figuras unidimensionais, Violet acaba com o dinamismo e com o aconchego da produção, transformando-a em uma série de acontecimentos desconexos e acelerados. O mesmo vale para a maneira com que a diretora aborda a questão do trabalho infantil, pauta que surge entre a cidade, mais uma vez, apenas para atrapalhar a protagonista e que, logo em seguida, é esquecida sem impacto algum.

Mesmo que consiga recuperar seu espírito na última cena, A Livraria também é prejudicado desde o início pela narração de Julie Christie. Tentando trazer ares literários para o filme, tal narração limita-se a expressar o que já estamos vendo na tela. Algumas vezes, para piorar, Christie anuncia o que ainda não vimos. Isso efetivamente arruína alguns dos melhores momentos do longa, como quando Florence percorre pela primeira vez sua nova livraria e as obras nas estantes. O momento é repleto de alegria e paixão, mas, aparentemente, só conseguimos entender isso quando a narradora fala que “aquele foi o momento mais feliz de Florence na livraria”, frase que é imediatamente seguida por uma risada de pura felicidade da protagonista.

Mais eficiente é a caracterização de Florence, uma mulher determinada que mal perde tempo diante das críticas e da condescendência, por exemplo, do bancário que recusa-se a enxergá-la como alguém capaz de ter um negócio próprio. Emily Mortimer vive a protagonista com naturalidade e energia, navegando bem entre a introspecção, o carisma, a falta que ela ainda sente do marido e a maneira com que a livraria a reaproxima dele. Mais contido do que de costume, Bill Nighy garante algumas boas cenas com suas conversas com a protagonista e por sua personalidade excêntrica, ainda que seu carinho pelos livros seja movido por uma série de ideias errôneas (como a de que “O entendimento deixa a mente preguiçosa”).

Patricia Clarkson faz o que pode com uma personagem rasa, e se Violet chega a ser uma moderadamente divertida, é inteiramente graças à atriz. Já a jovem Hunter Tremayne é carismática, mas a sua Christine é uma daquelas crianças irritantemente precoces que existem mais como recurso para mover a trama do que como pessoas.

Assim, A Livraria traz uma série de qualidades na medida certa para quem divide com a carismática protagonista a sua paixão pela palavra escrita. É uma pena, então, que isso seja cercado por tanta unidimensionalidade e por uma trama que não reconhecesse suas maiores forças.


“The Bookshop” (UK/Esp/Ale, 2017), escrito e dirigido por Isabel Coixet, à partir do livro de Penelope Fitzgerald, com Emily Mortimer, Bill Nighy, Patricia Clarkson, Honor Kneafsey, Hunter Tremayne , James Lance, Frances Barber, Jorge Suquet, Reg Wilson, Adie Allen e Nigel O’Neill.


Trailer do Filme – A Livraria

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