A Trilogia Johnny Depp X Amber Heard: Vitória ou Vergonha?

A Trilogia Johnny Depp X Amber Heard: Vitória ou Vergonha?

Prezados leitores, voltamos com mais uma coluna Cinema Direito aqui no insofismável CinemAqui, este espaço incrível e diverso sobre a sétima arte. Hoje, provocados pela nova maior polêmica da última semana: o desfecho do turbulento relacionamento entre os atores Johnny Depp e Amber Heard. Depois de quase dois meses de julgamento, finalmente tivemos um veredicto no processo de difamação movido por ele.

Mas antes, de entrarmos na análise mais pormenorizada seria interessante rememorar os rounds anteriores entre as partes. Uma contextualização e um entendimento mais apurados de tudo que aconteceu e o que podemos esperar daqui para a frente. Tanto para o casal quanto para a sociedade e o mercado.

ROUND 1 – O divórcio Johnny Depp e Amber Heard

Depp e Heard se conheceram no set de filmagens de Diário de um Jornalista Bêbado, em 2009. Com inegáveis faíscas entre eles já nas filmagens, no reencontro durante a divulgação do filme em 2011, o fogo reavivou e Depp decidiu terminar seu relacionamento de 12 anos com Vanessa Paradis (que lhe rendeu 2 filhos) para ficar com Heard. Depois de algumas idas e voltas, se casaram em 2015.

Para surpresa de zero pessoas, no meio de 2016, com pouco mais de 15 meses de casamento, a atriz pediu uma ordem de restrição contra o marido – é parecido, embora com algumas diferenças, com as medidas protetivas concedidas pela Lei Maria da Penha aqui no Brasil – alegando ter sido agredida e, pouco depois, entrou com o divórcio, que somente seria finalizado em 2017. Isso depois de um acordo extrajudicial onde o ator pagaria sete milhões de dólares e ambos concordaram em emitir um comunicado conjunto à imprensa sobre o fim da relação, assim como em não dar declarações públicas ou privadas sobre o relacionamento.

Essa última obrigação é importante, lembremos dela mais tarde.

Em uma nota final, a atriz declarou também que todos os valores recebidos no acordo de divórcio seriam doados para caridade.

Resultado do primeiro embate: vitória de Heard, apertada, por pontos.

ROUND 2 – O artigo que gerou a discórdia

A vida seguia quando, em março de 2018, Amber escreveu um artigo na página de opinião do Washington Post, se definindo como “sobrevivente de violência doméstica”. Heard ainda completava o quanto era “difícil ser uma mulher na sociedade atual e sofrer o julgamento de todos sendo a vítima” dentro do mercado do cinema e do entretenimento. Em nenhum trecho do artigo, o nome de Johnny Depp foi mencionado.

Por volta dessa época, o movimento “Me Too”, de mulheres vítimas de violência doméstica e assédios sexuais e morais na sociedade americana, existente desde 2006, vivia um momento de alta, devido à repercussão dos casos Harvey Weinstein (que viria a ser condenado e preso por diversos casos de assédio sexual e estupro) e Kevin Spacey, entre muitos outros.

A hashtag #metoo estava no topo de todas as redes sociais com relatos e apoio de muitos atores e atrizes do alto escalão. Além de uma reestruturação nos bastidores dos estúdios e da Academia por causa do estouro dos casos mencionados.

O artigo de Amber foi publicado bem nesse período.

A reação foi imediata; na Europa filmando a sequência de Animais Fantásticos no papel de Grindelwald, Depp foi mencionado pelo tabloide The Sun em nota, onde criticava a autora de Harry Potter, J.K. Rowling, por permitir que um “espancador de esposas” tivesse um papel de destaque.

Amber Heard e Johnny Depp no tribunal

Logo em seguida, a Disney anunciou que a franquia Piratas do Caribe continuaria, mas sem o protagonista Jack Sparrow. Após as filmagens de Animais Fantásticos, a Warner anunciou que Depp não voltaria para a sequência, com o papel de Grindenwald indo para Mads Mikkelsen.

Em oposição, Amber finalizava seu papel em Aquaman e aguardava novas propostas.

No segundo semestre de 2019, se sentindo prejudicado pelas repercussões negativas do artigo, Depp entrou com dois processos: um, na Inglaterra, contra o The Sun, buscando responsabilizar o jornal pela nota publicada e outro, nos EUA, no estado da Virgínia, contra Heard por ela (supostamente) ao publicar o artigo ter cometido difamação (divulgação maliciosa de informações negativas sobre alguém com a consciência de serem falsas) e prejudicado a sua carreira artística. Isso representado pelas perdas nas franquias Piratas do Caribe e Animais Fantásticos, além de ser tachado de violento, abusivo e agressor perante a sociedade em geral.

Voltaremos ao processo por difamação na próxima seção desta coluna.

Com os atrasos por causa da pandemia do Covid-19, o julgamento na Inglaterra ocorreu somente no segundo semestre de 2020. Na condição de testemunha – essa distinção é importante para entender o que aconteceu no outro processo – Heard deu um depoimento bombástico.

Nas suas declarações, Amber relatou “que sofrera com constantes agressões verbais e físicas” e que o ex-marido era “consumidor contumaz de drogas como cocaína e álcool, tornando-se violento por conta disso”. Ia ainda além, apontando que ela chegara a ser arrastada pelo chão com cacos de vidro depois de mais uma surra e que sofrera, por fim, violência sexual com uma garrafa em suas partes íntimas.

Juntando o depoimento dela mais os indícios que levaram a ser concedida uma ordem de restrição na época do divórcio, os tribunais ingleses consideraram que o tabloide tinha todas as informações que precisava para considerar o ator como agressivo e, mesmo sendo pouco elegante, poderia ter publicado a nota sem restrições e, portanto, não deveria ser responsabilizado por qualquer suposto prejuízo.

Durante o julgamento inglês, Adam Waldman, advogado da equipe jurídica de Depp, publicou declarações onde definia as alegações de Amber como mentirosas e fantasiosas, além de maliciosas com intenção de prejudicar diretamente ao seu cliente; essa publicação gerou a demissão de Waldman e deu munição à ela para pedir, em resposta ao processo americano, um “contra-processo” (chamado na nossa legislação de “reconvenção”) pedindo 100 milhões de dólares também por difamação e que a estava prejudicando a carreira.

Por essa época já estavam fortes os rumores de que ela perderia seu papel em Aquaman 2 por “falta de química” com Jason Momoa.

Resultado do embate: Vitória esmagadora de Heard.

ROUND 3 – Difamação e fama

Agora, chegamos ao processo, viralizado na internet nos últimos dois meses. Devido à pandemia da COVID-19, o julgamento foi marcado quase dois anos depois da entrada da ação, para abril de 2022.

Antes dos pormenores, é bom esclarecer dois pontos muito importantes: porque Depp entrou com a ação na Virgínia e qual o ônus da prova de cada um.

A escolha do local do processo foi estratégica.

O estado da Virgínia é uma das 13 colônias originais, lá atrás quando da colonização britânica, sendo assim, com uma sociedade mais moderada, embora com viés mais para o lado conservador – com leis tanto que agradam aos republicanos, quanto aos democratas, em menor grau para os segundos – porém não pendendo para a ala conservadora delirante de uma Flórida e nem indo para o lado meio furioso e hipócrita da ala liberal da Califórnia.

Johnny Depp sai vitorioso do tribunal?

Além disso, o estado possui uma lei “anti-SLAPP” moderada e que não prejudicaria nenhuma das partes no processo em caso de derrota.

Um parêntese para explicar o que é legislação “anti-SLAPP” (Strategic Lawsuit Against Public Participation – ou, Judicialização Estratégica Contra Participação Pública). Essa sigla significa que não se pode usar o poder econômico ou social para intimidar outras pessoas quanto ao exercício da primeira emenda (liberdade de expressão) com o uso de processos judiciais com pedidos de indenização vultosos ou em vários locais ao mesmo tempo. Desnecessário mencionar que no Brasil não existe nenhuma legislação específica contra esse modo de agir… fecha o parêntese.

Além disso, a Virgínia possui leis que colocam uma barreira ou teto para a concessão de danos punitivos acima de US$ 350 mil. Danos punitivos são aqueles concedidos em processos judiciais para, como o nome diz, punir financeiramente pessoas ou empresas consideradas culpadas de atos ilícitos ou abusivos por sentença.

Desse modo, fica mais fácil entender a escolha da Virgínia como o local para entrada do processo. E essa escolha pôde ser feita porque os servidores e a gráfica do jornal Washington Post ficam no condado de Fairfax e o artigo supostamente difamador foi publicado por esse órgão de imprensa.

Agora, devemos definir o que é ônus da prova.

É o dever que a parte possui, em processos civis, de provar o que alega. A extensão desse ônus muda conforme o tipo de processo que se entra.

Em processos civis, o dever de provar é mais brando, tendo a parte que demonstrar com suficiente certeza – quem decide é o juiz – que o direito que alega ter existe. Já em um processo criminal, por exemplo, o Estado tem que comprovar, além de qualquer dúvida razoável, que existiu crime (materialidade) e que quem cometeu o crime é o réu (autoria). Funcionam no processo criminal a presunção de inocência e que se houver qualquer dúvida quanto à autoria deve ocorrer a absolvição (o acusado é inocente).

Do exposto temos que o ônus da prova estava distribuído assim: Depp tinha que provar que o conteúdo do artigo era falso ou exagerado e que a publicação gerou prejuízos para sua carreira. Heard tinha que provar que suas alegações de abusos físicos, morais, verbais e sexuais eram verdadeiras, tornando correto o artigo e que as perdas de papéis sofridas por Depp vinham de qualquer outro motivo que não fosse ele ser considerado um agressor, um “espancador de esposas”, como definiu o The Sun.

O tribunal do condado concordou em transmitir a íntegra do julgamento. Diferente daqui no Brasil, todos os processos são julgados por um júri, de no mínimo 7 pessoas (podendo chegar a 11 em processos mais complexos e criminais). Ao que tudo indica, todos os dias foram transmitidos pela TV a cabo Court TV e canais do YouTube.

Isso não é incomum, pois os procedimentos do júri nos EUA são todos públicos, podendo ser frequentados por qualquer pessoa, exceto se o juiz do caso decidir fechar a sala e não deixar as pessoas assistirem se entender necessário para o melhor desenrolar do caso.

E a transmissão foi determinante para que as mídias sociais e a internet escolhessem lados, acabou com a imensa maioria escolhendo “defender” Johnny Depp.

Ao contrário dos outros dois rounds entre as partes, onde as informações chegaram ao público pela imprensa e outros meios de comunicação, todos que quiseram, puderam acompanhar desde o começo das apresentações de cada um dos reclamantes.

Não se pode dizer, com toda a certeza, que antes de iniciar o julgamento a simpatia estava ao lado do ator, pelo contrário, muitas pessoas por todas as mídias sociais estavam muito mais favoráveis a Heard. Testemunhas especialistas trouxeram essas informações com gráficos e análises de tráfego e “hashtags”.

O que virou a maré a favor de Depp? O ônus da prova, lembram-se, que eu falei um pouco antes.

Depp comemora no tribunal

Diferente do round 1, onde ela conseguiu uma decisão liminar (temporária) para conseguir manter o marido afastado – tradicionalmente, os juízes não são rigorosos com provas nesses estágios, pois a demora pode representar a morte para as vítimas – e do round 2, onde na condição de testemunha ela mesma era uma prova, aqui neste julgamento a situação era mais complexa.

A estratégia legal de Heard era demonstrar e comprovar que a razão pela qual o ex-marido tinha perdido os papéis e estava com a carreira prejudicada era o comportamento errático, falta de profissionalismo e uso de drogas e não qualquer tipo de reação ao seu artigo e acusações feitas. Mas, sabe-se lá porque razão, negligenciaram a comprovação de que o conteúdo do artigo e do depoimento na Inglaterra, que decidiu o processo contra Depp, era verdadeiro.

E isso foi a razão de sua queda e chegada ao veredicto unânime.

O time legal da Amber tentou tirar o julgamento da Virginia para a Califórnia, onde, com certa razão, acreditava que o júri lhe seria mais favorável. Não conseguiu.

Depois da vitória na Inglaterra, tentaram anular o processo e encerrar. Também não conseguiram.

Escolhendo focar em demonstrar que a razão de perda de papéis e carreira em declínio era exclusivamente de Depp e deixando de comprovar as graves acusações que fez ao longo dos anos contra o ex, ela permitiu que os advogados do ator e a opinião pública a retirassem sua credibilidade.

Com testemunhas especialistas e comuns mal escolhidas, falta de comprovação e documentação médica das agressões e abusos sofridos, comportamento contraditório e excessiva confiança que sua palavra seria suficiente para derrubar as pretensões de Depp. Acabou por se prejudicar muito e pode até abrir falência.

Pior, a arrogância de achar que apenas a palavra da vítima bastaria para “condenar” o agressor prejudicou, e muito, as pessoas ao redor do mundo que sofrem com abusos e agressões terríveis dentro de relacionamentos e casamentos tóxicos.

Nos últimos anos, a recepção que Amber recebeu da mídia e dos pares na indústria foi muito prejudicial, pois não teve um questionamento mais apurado e mais criterioso do que foi alegado por ela. Nesse tempo entre o divórcio e o julgamento a palavra da vítima, importantíssima, foi absoluta; esqueceu-se a vítima que dentro de um processo judicial, mais do que simpatia e reações emocionais seriam necessárias para derrubar as alegações contra ela.

No tribunal, contudo, ficou comprovado que a promessa de que iria doar o dinheiro do acordo de divórcio para a caridade não foi cumprida. A maioria das testemunhas dela demonstravam o uso de drogas e álcool por parte de Depp, mas a maior parte das vezes o casal usava juntos. Quase nenhuma testemunha pode comprovar agressões. Não tinha nenhum médico ou exame que pudesse mostrar as graves contusões e acusações de estupro e abuso sexual. Enfim, cometeu erros crassos que lhe custaram muito mais do que a perda desse processo.

Acabou parecendo mentirosa, arrogante, doente e abusadora enquanto Depp, com a sinceridade acoelhada e meio patética de admitir seus problemas e atitudes pouco recomendáveis, se credibilizou cada vez mais.

Se o júri foi influenciado pela corrente digital de “amor” para com Depp e “ódio” para com Heard? Certamente que sim, mas em muito menor grau do que pretendem fazer com que eu, você e as demais pessoas do mundo real acreditemos.

O que pesa em um julgamento são a força das provas, a competência dos advogados e a credibilidade das partes. Nessa ordem. E Heard careceu de todas as três.

Se tivesse respeitado o acordo de 2017 e parado de mencionar seu relacionamento, nada disso teria acontecido. Com nossas escolhas vem as consequências.

Pelo caráter público das partes e a transmissão em tempo real dos procedimentos, infelizmente, a negligência e más escolhas de Heard, reverberarão pela sociedade e prejudicarão as reais vítimas de relacionamentos abusivos pelo mundo. Quanto antes nos conscientizarmos que gênero não é sinônimo de credibilidade, melhor para todos. Tenha lugar de fala, mas se proteja, busque ajuda sempre e não deixe de juntar provas do seu sofrimento.


Confira mais textos da coluna Cinema Direito

Continue navegando no CinemAqui:

DEIXE UM COMENTÁRIO

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Menu